terça-feira, 3 de janeiro de 2012

COMO CRISTO VÊ A SUA IGREJA

Leitura Bíblica: Cântico dos Cânticos, 4:1-5:1

Introdução

Neste capítulo, Cristo está manifestando a intensidade de seu amor e o que Ele sente ao contemplar o povo da sua Igreja. “Jesus, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” Jo.13:1. O amor de Cristo não é “como a nuvem da manhã ou como o orvalho da madrugada, que cedo passa”, antes, Ele nos ama “com amor eterno”, que jamais desvanecerá, Os.6:4; Jr.31:3. Devemos acreditar neste amor de Cristo, pois é o bem mais valioso na experiência do pecador e a fonte da nossa perseverança nas horas da tribulação. O amor de Cristo é paciente e benigno, e jamais passará. O Ap. Paulo encorajou o seu coração com esta lembrança: “Cristo me amou, (e a prova) a si mesmo se entregou por mim” Gl.2:20. “Deus é amor”. Ele é o Autor e o Inspirador do amor. “Nós amamos porque Ele nos amou primeiro” 1 Jo.4:8,19.

O capítulo quatro se divide em três partes. Na primeira, Cristo, usando partes do corpo humano, descreve a beleza e a perfeição da sua Igreja, Vs.1-8. Na segunda, Ele descreve a intensidade do seu amor para com a Igreja, Vs.9-15. E, na terceira, ouvimos a resposta da Igreja ao ouvir estas palavras encorajadoras, V.16. Cap.5:1 descreve a resposta de Jesus.

1. Cristo Descreve a Beleza da sua Igreja, Vs.1-8.

É muito importante entender e sentir a intensidade do amor de Cristo para conosco.  Para Ele, a Igreja tem uma beleza singular, uma perfeição que Ele mesmo fez possível. A Igreja é composta de pessoas que já se vestiram de Cristo Jesus, Rm.13:14. As práticas do pecado já foram abandonadas e o princípio do novo homem, que age de acordo com “a imagem daquele que o criou”, está em plena manifestação, Cl.3:9-10. Portanto, quando Cristo nos contempla, Ele está vendo as perfeições da sua própria pessoa em nós. “Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito” Is.53:11.

Nas descrições da beleza da sua Igreja, Cristo escolheu sete partes do corpo humano, por causa da sua visibilidade imediata, para destacar aspectos específicos desta formosura. O nosso corpo tem uma beleza especial, afinal, foi Deus quem o formou. O número sete descreve uma perfeição completa, e, de fato, a regeneração e a santificação revestem o novo homem com uma beleza que glorifica a Deus.

a) Cristo começa o seu discurso com uma declaração geral das suas impressões. “Como és formosa, querida minha, como és formosa:” Esta é terceira vez que Cristo confessa a sua admiração pela formosura da sua Igreja. Ele repete esse elogio para que possamos realmente acreditar em seu interesse para conosco.  Agora, saindo do geral, Ele destaca os sete pontos específicos da beleza da sua Igreja.

(1) Os olhos. “Os teus olhos são como os das pombas e brilham através do teu véu”. Os olhos, muitas vezes, são a primeira parte que reparamos numa pessoa: olhos tristes e olhos alegres, olhos lascivos e olhos imaculados, olhos brilhantes e olhos opacos, enfim, os olhos podem revelar a disposição da pessoa. Os olhos da Igreja são como os das pombas que brilham através do véu das imperfeições que ainda restam em seu testemunho. Os olhos revelam a realidade da obra regeneradora de Cristo. O Ap. Paulo, depois de citar uma lista de pecados conhecidos pelos Coríntios, acrescentou: “Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” 1Co.6:9-11. Os olhos revelam a novidade de vida. Pela figura dos olhos das pombas, Cristo vê uma característica dominante na vida de seu povo, a mansidão; porque com mansidão acolhem a Palavra de Deus. Os olhos revelam o homem interior do coração, onde habita esta mansidão, Tg.1:21. 

(2) Os cabelos. “Os teus cabelos são como o rebanho de cabras que descem ondeantes do monte de Gileade”. A figura das cabras descendo do monte Gileade era uma cena muito chamativa; assim, os cabelos da mulher podem revelar partes de seu caráter. Seu cabelo, quando tratado com sobriedade é a sua glória; porém, quando enfeitado ostentosamente, pode evidenciar uma falta de temor a Deus, 1 Co. 11:15; 1 Tm.2:9-10; 1 Pe.3:2-4.

O cabelo simboliza o comportamento do povo de Deus. O que deve ser mais destacado, não é o cabelo frisado, mas, sim, “o homem interior do coração, unido ao incorruptível trajo de um Espírito manso e tranqüilo, que é de grande valor diante de Deus” 1 Pe.3:3-4. A piedade não pode ser uma virtude escondida, antes, deve ter uma visibilidade. O Senhor Jesus nos designou para sermos “o sal da terra” e “a luz do mundo”. Mt.5:13-16. O nosso comportamento, santo e irrepreensível, deve ser tão visível quanto o cabelo da nossa cabeça.

(3) Os dentes. Temos, primeiro, a utilidade dos dentes, e, em seguida, as duas comparações que revelam o resultado do trabalho dos dentes.

I) Os dentes. “São teus dentes como o rebanho das ovelhas recém-tosquiadas. Os dentes são uma parte importante e necessária à nossa aparência e, quando eles são brancos e bem alinhados, são muito chamativos. Mas, além da beleza, os dentes são necessários para mastigar a comida para que se torne aproveitável para o corpo. E o alimento do povo de Deus é a Bíblia, bem mastigada. Em termos práticos, mastigar e meditar são basicamente sinônimos, pois descrevem como devemos assimilar os ensinos das Escrituras Sagradas. O Salmista usava seus dentes com proveito, quando disse: “Quanto amo a tua lei! É a minha meditação todo o dia!” Sl.119:97. Quando o Profeta Ezequiel foi comissionado para pregar, o Senhor lhe deu um rolo de um livro que continha as mensagens a serem proclamadas, e disse: “Filho do homem, come o que achares; come este rolo, vai e fala à casa de Israel” Ez.3:1. O Ap. Paulo orientou Timóteo, dizendo: “Procura apresentar-te a Deus, aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” 2 Tm.2:15. Esta capacitação depende da maneira pela qual temos recebido e mastigado a Palavra de Deus. Para pregar ousadamente em nome de Jesus, é necessário segurança na verdade, At.9:27. Apolo era “homem eloqüente e poderoso nas Escrituras”, porque usava dentes espirituais para alimentar-se da Palavra de Deus, At.18:24. A nossa autoridade na exposição das Escrituras depende do tempo que usamos para mastigá-las. Que a nossa vida seja alva “como o rebanho de ovelhas recém-tosquiadas”. 

II) O efeito da Palavra de Deus sobre a nossa vida. “Ovelhas recém-tosquiadas que sobem do lavadouro”. A ovelha recém-tosquiada tem uma brancura especial e, quando lavada, esta alvura se destaca ainda mais. Qual é o efeito da palavra de Deus sobre a vida daqueles que a recebem? Cristo disse: “Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado” Jo.15:3. Não podemos ser cristãos verdadeiros sem o contato diário com a Palavra de Deus. Por ela, recebemos a tão necessária regeneração e purificação espiritual, 1 Pe.1:22-23. O Apóstolo afirma: “Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e Espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração” Hb.4:12. O Salmista resolveu: “Guardo no coração as tuas palavras para não pecar contra ti” Sl.119:11. Os dentes têm um valor muito além da estética, eles foram dados para mastigar o alimento, que é a Palavra de Deus, pois a nossa pureza espiritual depende da influência dela. Somos lavados e purificados pela Palavra, Ef.5:26. 

III) O fruto da Palavra de Deus em nossa vida. As ovelhas “produzem gêmeos, e nenhuma delas há sem crias”. Quando a Palavra de Deus está atuando em nossa vida, começamos a produzir frutos. Cristo disse: “Não fostes vós que me escolhestes a mim, pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça” Jo.15:16. O nosso texto diz que as ovelhas produziram “gêmeos e nenhuma delas há sem crias”. Isto é, cada ovelha dobrou a sua produção. Na parábola dos Talentos, certo homem confiou os seus bens a seus servos. Os primeiros dois dobraram o que receberam e foram elogiados “Muito bem, servos bons e fiéis”. Mas o terceiro não produziu nada com o seu talento, por isso, foi condenado: “Servo mau e negligente”, e, logo em seguida, alguém recebeu esta ordem: “E o servo inútil, lançai-o para fora, nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes” Mt.25:14-30. Este fruto que cada crente deve produzir se refere especialmente à nossa santificação; uma vida moral e espiritualmente santa e irrepreensível, Ef.1:4. Um dos aspectos deste fruto é evidenciado através dos nossos relacionamentos diante do nosso próximo. Cristo disse: “Isto vos mando: que vos ameis uns aos outros” Jo.15:17. Outro aspecto deste fruto é o nosso testemunho dentro da sociedade onde vivemos. “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus” Mt.5:16. Quando a Palavra de Deus está operando eficazmente em nossa vida, somos frutíferos para a glória de Deus. A figura do nosso texto é muito enfática. Cada ovelha produziu gêmeos e nenhuma delas ficou sem crias. Nenhum crente pode ficar sem as evidências de fruto em sua vida.

(4) Os Lábios. “Os teus lábios são como um fio de escarlata, e a tua boca é formosa” ou, “o teu falar é doce”. Os lábios e a boca são os meios que usamos para nos comunicarmos verbalmente. E a boca é formosa por causa das palavras que ela pronuncia. Contudo, há sempre um perigo de falar “irrefletidamente” Sl.106:33. “Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo corpo” Tg.3:2. Por causa desse perigo, o Salmista orava: “As palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam agradáveis na tua presença, Senhor, rocha minha e redentor meu” Sl.19:14.

Mas a palavra do crente verdadeiro é “doce”. Como em outra parte, Cristo convidou: “Faze-me ouvir a tua voz, porque a tua voz é doce”. É “doce” por causa dos assuntos mais abordados, tais como:

I) A maravilha da nossa redenção. Esta é uma das palavras mais importantes na Bíblia, portanto, deve ser o assunto constante dos nossos lábios. Raabe acreditava na redenção do Senhor Deus e, demonstrando a sua fé, mostrou da janela aquele fio de escarlata, que era o símbolo e a garantia da sua redenção, Js.2:18. O Salmista cantava: “No Senhor há misericórdia; nele, copiosa redenção”. É Ele quem redime Israel de todas as suas iniqüidades. Sl.130:7-8. Os piedosos, no tempo do nascimento de Jesus, “esperavam a redenção de Israel” Lc.2:38. O Ap. Paulo exaltou “o nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo, o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniqüidade e purificar para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras” Tt.2:14. Que os nossos lábios estejam prontos para sempre falar de Cristo, “que me amou e a si mesmo se entregou por mim” Gl.2:20. 

II) Ações de graças. A maravilha da nossa redenção deve nos conduzir à prática de ações de graças. A característica mais comum das pessoas cheias do Espírito Santo é que vivem “falando entre si com Salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais, dando sempre graças por tudo a nosso Deus em nome de nosso Senhor Jesus Cristo” Ef.19-20. O Salmista nos exorta: “Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e não esqueças de nem um só de seus benefícios” Sl.103:2. Enfim, “por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome” Hb.13:15. A norma cristã é: “Sede agradecidos” Cl.3:15. 

III) Intercessão. O fato que temos recebido toda sorte de bênção espiritual deve nos constranger a olhar ao nosso redor e ter misericórdia daqueles que não têm esperança em Cristo Jesus e que vivem sem Deus no mundo, Ef.2:12. O Ap. Paulo expressou este anseio, confessando: “Meus irmãos, a boa vontade de meu coração e a minha súplica a Deus a favor deles são para que sejam salvos” Rm.10:1. O Apóstolo continua em outro lugar, dizendo: “Antes de tudo, pois, exorto que use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens” 1Tm.2:1. Se nós realmente amamos, demonstramos este amor intercedendo em favor daqueles que têm necessidade de bênçãos espirituais. 

IV) Depois de termos orado, devemos testemunhar. O Ap. Paulo exortou a Timóteo, dizendo: “Prega a palavra, insta quer seja oportuna, quer não, corrige, repreende, exorta com toda longanimidade e doutrina” 2 Tm.4:2. “A fé vem pela pregação, e a pregação pela palavra de Cristo” Rm.10:17. É necessário testemunhar, “pois, como sabes, ó mulher, se salvarás teu marido? Ou como sabes, ó marido, se salvarás tua mulher?” 1 Co.7:16. O Ap. Tiago nos deu uma palavra muita sugestiva na área de testemunho: “Meus irmãos, se alguém entre vós se desviar da verdade, e alguém o converter, sabei que aquele que converter o pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados” Tg.5:19-20.

Voltemos ao nosso texto original. Cristo tem prazer em contemplar todos os detalhes do nosso procedimento. Ele se alegra quando verifica que o nosso “falar é doce”; quando o tema das nossas palavras exalta a maravilha da redenção que Ele adquiriu por nós; quando intercedemos em favor dos necessitados ao nosso redor; e, quando testemunhamos de como o Senhor teve compaixão de nós e nos salvou.

(5) As faces. “As tuas faces, como romã partida, brilham através do véu”. Quando partimos uma romã, as sementes são uma mistura de vermelho e branco.  A face, em momentos de constrangimento, tem uma facilidade para, repentinamente, corar. A reação instintiva é esconder o acontecimento “através do véu”, ou, abaixar os olhos. Assim, a face pode revelar sentimentos escondidos. “Por que tendes hoje, triste o semblante?” Gn.40:2. “Não temas as suas palavras, nem te assustes com o rosto deles” Ez.2:6. Qual foi a cor do rosto de Pedro quando disse a Jesus: “Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador” Lc.5:8. Ou, a cor do rosto de Marta, quando Jesus lhe disse: “Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será retirada” Lc.10:41-42. O rosto apresenta uma beleza singular quando começa a corar ao ouvir um elogio sincero e, da mesma forma, a revelação de arrependimento e humilhação estampada sobre o rosto do culpado. O Profeta Daniel sentiu essa realidade quando orou: “A ti, ó Senhor, pertence a justiça, mas a nós, o corar de vergonha, como hoje se vê” Dn.9:7. Em nosso texto, o Senhor Jesus elogiou a Igreja quando viu as suas faces, através do véu, brilhando com amor e gratidão. O que é que o nosso rosto revela? Orgulho ou humildade? Indiferença ou zelo pela causa do Senhor? “Sacrifícios agradáveis a Deus são o Espírito quebrantado; coração compungido e contrito, não o desprezarás, ó Deus” Sl.51:17.

(6) O pescoço. “O teu pescoço é como a torre de Davi, edificada para arsenal; mil escudos pendem dela, todos broquéis (armamentos) de soldados valorosos”. O pescoço é a parte que une a cabeça ao corpo, indicando uma comunicação entre as duas partes, uma figura da nossa união com Cristo. “Cristo é o Cabeça da Igreja, sendo este mesmo o Salvador do corpo” Ef.5:23. O texto descreve o pescoço como a “torre de Davi”, redondo e liso, reto, branco e vertical, a fim de realçar a sua importância. Esta torre foi construída para servir como arsenal, um depósito de armamentos. Os escudos dos inimigos foram pendurados nela como as evidências das vitórias nas guerras. A espada de Golias foi guardada no tabernáculo como lembrança de uma grande vitória sobre os filisteus, 2 Sm.21:9. O grande número de escudos pendurados representa o armamento de soldados valorosos derrotados nas guerras. Muitas vezes, os inimigos foram muito mais poderosos do que Israel, porém, o Senhor lhe dava a vitória, Dt.4:37-38. Assim como os escudos embelezavam a torre, as dádivas espirituais embelezam a vida da Igreja. Por isso, Cristo destaca este aspecto da beleza do seu povo. “Como és formosa, querida minha, como és formosa!”

Se nós somos membros do corpo de Cristo, e o reconhecemos como o nosso Cabeça, devemos nos perguntar: Quais são as evidências visíveis da nossa união com Cristo? Ele disse: “Pelos seus frutos os conhecereis (...) Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus” Mt.7:16-17. E o fruto específico do povo de Deus é aquele do Espírito Santo: “Amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio Gl.5:22-23. O Ap. Paulo disse: “Irmãos, sede imitadores meus e observai os que andam segundo o modelo que tendes em nós” Fl.3:17.

Quanto à nossa luta espiritual, o Ap. Paulo nos encoraja, dizendo: “Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus, porque o pecado não terá domínio sobre vós” Rm.6:11-14. Israel, pelo poder de Deus, destruiu nações mais poderosas; e, nós, “embora andando na carne, não militamos segundo a carne”, pois, em Cristo “somos mais que vencedores” 2 Co.10:3; Rm.8:37.

(7) Os seios. “Os teus dois seios são como duas crias, gêmeas de uma gazela, que se apascentam entre os lírios”. Os dois seios representam o ministério da Igreja, cuja responsabilidade é suprir “o genuíno leite espiritual”, para que, por ele, os membros particulares possam crescer para salvação, 1 Pe.2:2. Jerusalém representava a Igreja do Antigo Testamento, e era a mãe de todos os membros dela. E, como mãe, tinha a responsabilidade de suprir o alimento espiritual para o povo. Isaías via os membros como crianças, amamentando e recebendo consolação. “Exultai com ela (Jerusalém), todos os que por ela pranteastes, para que mameis e vos farteis dos peitos das suas consolações; para que sugueis e vos deleiteis com a abundância da sua glória” Is.66:10-11. Jesus deu a Pedro esta incumbência: “Apascenta os meus cordeiros e pastoreia as minhas ovelhas” Jo.21:15-17. O Ap. Paulo, dirigindo-se aos presbíteros em Éfeso, disse-lhes: “Portanto, eu vos protesto, no dia de hoje, que estou limpo do sangue de todos; porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus”. E terminou com este apelo: “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a Igreja de Deus, a qual ele comprou com seu próprio sangue” At.20:26-28. Quando o Cristo ressurreto subiu para o céu, Ele concedeu à Igreja uma liderança: apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres, “com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo” Ef.4:10-13. Nós, como membros particulares da Igreja, temos o dever de nos alimentarmos com a fiel exposição das Escrituras que esta liderança nos oferece. E, qual será a nossa recompensa? Uma consolação espiritual. “Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos paz” Rm.15:4.

A liderança da Igreja, a fim de oferecer alimento espiritual a seus membros, tem, em primeiro lugar, a necessidade de se alimentar a si mesma, à semelhança das duas crias, que se apascentam entre os lírios. Cristo disse que Ele mesmo é o Lírio dos Vales, portanto, Ele mesmo é o alimento que sustenta o seu povo. Quando as multidões pediram a Jesus: “Senhor, dá-nos sempre desse pão”. Ele logo respondeu: “Eu sou o Pão da Vida; o que vem a mim jamais tem fome; e o que crê em mim jamais tem sede” Jo.6:34-35. Os membros fiéis da Igreja receberam esta promessa: “Ao vencedor, dar-lhe-ei do maná escondido, bem como lhe darei uma pedrinha branca, e sobre essa pedrinha escrito o nome novo, o qual ninguém conhece exceto aquele que o recebe” Ap.2:17. O Ap. Paulo deu este esclarecimento: “O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” Rm.8:16. Agora, podemos cantar com entendimento:

“Ó Cristo Pão da Vida, a ti louvamos nós!
E ao Pai também erguemos a nossa alegre voz.
Agradecemos sempre o amor que aqui nos deu
Sustento verdadeiro no santo Pão do céu”. HCN, 251.

b) O lugar onde Cristo habita, V.6. “Antes que refresque o dia, e fujam as sombras, irei ao monte da mirra e ao outeiro do incenso”. Aqui, Cristo está prometendo onde Ele estará; e, por quanto tempo permanecerá naquele local. É importante entender que Cristo não pode ser encontrado em qualquer lugar. Ele tem uma habitação específica, e é para este local que devemos nos dirigir para saciarmos as nossas necessidades espirituais.

I) O lugar onde Cristo se encontra. “Irei ao monte da mirra, e ao outeiro do incenso”. O monte e o outeiro se referem à área onde Jerusalém foi construída. Nos escritos bíblicos, monte, Sião, outeiros e a Casa do Senhor, são praticamente sinônimos, indicando Jerusalém, para onde o povo subia para cultuar ao Deus vivo e verdadeiro. “Mas, nos últimos dias, acontecerá que o monte da casa do Senhor será estabelecido no cume dos montes e se elevará sobre os outeiros, e para ele fluirão os povos. Irão muitas nações e dirão: Vinde, e subamos ao monte do Senhor e à Casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos pelas suas veredas; porque de Sião procederá a lei, e a palavra do Senhor, de Jerusalém” Mq.4:1-2. A referência à mirra e ao incenso fala do culto e das orações do povo de Deus. “Suba à tua presença a minha oração, como incenso, e seja o erguer de minhas mãos como oferenda vespertina” Sl.141:2. Cristo ensinou: “A minha Casa será chamada Casa de Oração” Jo.2:13.

No Novo Testamento, o Templo em Jerusalém foi substituído pelas Igrejas visíveis espalhadas pelo mundo inteiro. Cristo está presente nas Congregações, aquelas que são fiéis aos ensinos das Escrituras Sagradas. Ele mesmo prometeu: “Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome (nas Congregações menores), ali estou no meio deles” Mt.18:20. Em uma de suas últimas palavras, antes de subir para o céu, Cristo garantiu a seus discípulos: “E eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos” Mt.28:20. No Livro do Apocalipse, Cristo é visto como o Soberano que rege sobre as suas Igrejas locais (os lugares onde dois ou três se reúnem em seu nome), tomando conhecimento de todas as suas atividades, seus atos positivos, bem como os negativos; e Ele promete recompensas preciosas aos vencedores, Ap.2-3.

Apesar das suas imperfeições, devemos dar muito valor à Igreja Local, quando é fiel às Escrituras Sagradas, porque ela foi instituída por Cristo para o nosso bem espiritual. Ele disse: “Edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” Mt.16:18. Sim, haverá lutas e dificuldades, mas, em Cristo, somos mais que vencedores, Rm.8:31-37. Nos trabalhos organizados pela Igreja local, podemos participar do Culto Congregacional, ouvindo a leitura e a exposição das Escrituras Sagradas, cantando e orando, e, em momentos próprios, recebendo os sinais da Aliança da Graça, a saber: o Batismo e a Ceia do Senhor. Por causa do valor espiritual da Igreja local e por precisarmos do apoio dela, somos exortados: “Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia (do Juízo Final) se aproxima” Hb.10:25. Estas admoestações, que são tão necessárias, têm o pensamento de aconselhamento, repreensão, encorajamento e consolação. Cada um desses itens é importante para fortalecer-nos em nossa perseverança na fé. Timóteo recebeu esta incumbência: “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda longanimidade e doutrina” 2 Tm.4:2. O abandono da nossa própria Igreja traz sobre o negligente o perigo de esfriamento e até a perda da esperança em Cristo. Os cristãos primitivos eram caracterizados por sua perseverança na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações, At.2:42. Que nós sejamos igualmente diligentes na prática do culto que devemos a Deus.

II) A permanência de Cristo neste lugar. “Antes que refresque o dia, e fujam as sombras”. Ele estará, espiritualmente, no meio das suas Igrejas até a sua segunda vinda, quando voltará, visivelmente, para receber a sua Igreja em glória, para que, onde Ele esteja, estejamos nós também, Jo.14:3. Aqui, Cristo vê a atual dispensação como a noite, um tempo de trevas, onde o pecado continua a imperar no mundo, e onde as “sombras” e as dificuldades provocam tantas tribulações para o povo de Deus. Contudo, não é um tempo que causa desânimo, pois a Igreja tem uma viva esperança, a vinda do prometido “Dia” profético.  “Então, verão o Filho do homem vir nas nuvens com grande poder e glória” Mc.13:26. Neste “Dia”, as “sombras” que agora existem, fugirão, e desfrutaremos do refrescamento da presença do Senhor para sempre, 1 Ts.4:17. Esta interpretação corresponde com a linguagem do Ap. Paulo em Romanos 13:11-14:

Qual é o nosso dever imediato, nós “que conhecemos o tempo”, enquanto aguardamos a vinda do nosso Senhor Jesus Cristo? Primeiro: “Deixemos, pois, as obras das trevas”. Devemos cultivar uma vida santa e irrepreensível. Por causa das trevas em que vivemos, é fácil adotar os modismos deste mundo, que desprezam a lei que Deus estabeleceu para toda a humanidade. Deus é eterno, portanto, a sua lei é igualmente eterna. É tão cômodo aceitar as opiniões do mundo, que ensinam que certas leis morais já são ultrapassadas e não têm mais relevância na sociedade moderna. A lei de Deus é inalterável. Jesus afirmou: “Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um “i” ou um “til” jamais passará da lei, até que tudo se cumpra” Mt.5:18. A lei continua sendo o padrão moral em cada área do nosso procedimento. Segundo: “Revestimo-nos das armas da luz”. Notemos os contrastes que o Ap. Paulo apresenta. Despimo-nos e revestimo-nos, deixamos o que não agrada a Deus a fim de praticar aquilo que O agrada. As armas da luz, aquele testemunho ou atitudes que fecham a boca dos adversários da nossa fé, devem ser cultivados. O Ap. Paulo comentou que não há lei alguma que possa condenar a plena manifestação do fruto do Espírito na vida de uma pessoa, Gl.5:22-23. Terceiro: “Andemos dignamente, como em pleno dia”. O criminoso e o dissoluto usam as trevas da noite para ocultar suas práticas abusivas, mas, aquele que teme a Deus, faz questão de expor à luz do dia todas as suas atividades. “Ora, como recebestes Cristo Jesus, assim andai nele; nele radicados e edificados e confirmados na fé, tal como fostes instruídos, crescendo em ações de graças” Cl.2:6-7. Quarto: Como podemos estar preparados para este novo dia, quando todas as sombras do momento já não mais existirão? “Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências”. Estejam unidos com Ele, manifestando uma vida pura como Ele é puro, Rm.13:11-14; 1 Jo.3:3. Ninguém pode servir a dois senhores, os nossos interesses não podem estar divididos. Que Cristo seja o Senhor absoluto sobre cada área da nossa vida.

c) O resumo das perfeições da Igreja, V.7. “Tu és toda formosa, querida minha, em ti não há defeito”. Cristo não cansa de elogiar a formosura da sua Igreja. Aos olhos dele, ela, já redimida, lavada, justificada e santificada, tem uma beleza singular, não havendo nela nenhum defeito. Por que Cristo pode falar de tanta perfeição em sua Igreja? No momento, por causa das enfermidades da carne, estamos conscientes das nossas manchas, e, humildemente, as confessamos. Porém, Cristo já considera a sua Igreja como sendo sem manchas, por causa da perfeição das suas próprias graças que estão se manifestando eficazmente nela. Ele pode usar estes termos tão requintes, porque já está contemplando o resultado final, a consumação da sua obra transformadora na vida de seu povo.

Cristo já comentou sobre a perfeição da sua Igreja, destacando as partes diferentes, e, agora, em resumo, as anuncia como formosas e sem defeito. Podemos destacar outros aspectos para estas partes, que elucidam tal admiração. Vamos comentar sobre a perfeição:
I) Da nossa justificação e ablução. “Tu és toda formosa”, porque o sangue de Cristo “nos purifica de todo pecado” 1 Jo.1:7. Ele mesmo declarou: “Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado” Jo.15:3. Esta purificação inicial (a regeneração) vale para todo sempre. Então, o que acontece com as imperfeições diárias que mancham a nossa vida? No sangue de Cristo, temos uma purificação constante. O Ap. Pedro, preocupado com as suas falhas, pediu: “Senhor, não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça. Declarou-lhe Jesus: Quem já se banhou (aquela purificação inicial) não necessita de lavar senão os pés; quanto ao mais está todo limpo. Ora vós estais limpos, mas não todos”, fazendo referência a Judas Iscariotes, que nunca foi regenerado, Jo.13:9-10. Mantemos a nossa limpeza confessando, diariamente, o nosso pecado, pois Ele é fiel e justo para perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. 1 Jo.1:9. Purificado desta maneira, o crente está justificado, está judicialmente inocente e sem culpa, porque nenhum pecado lhe é imputado. “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo”, e, “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” Rm.5:1; 8:1. Assim sendo, podemos entender melhor por que Cristo exclamou: “Tu és toda formosa, querida minha, e em ti não há defeito”. 

II) Da nossa santificação. “Santificação é a obra da livre graça de Deus, pela qual somos renovados em todo o nosso ser, segundo a imagem de Deus, habilitados a morrer cada vez mais para o pecado e para viver para a retidão” Breve Catecismo, 35. Por ser uma obra da livre graça de Deus, é impossível achar deficiências nela. Cristo nos declara formosos e sem defeito porque a obra de Deus é sempre perfeita. E, onde Deus, pelo Espírito Santo, está atuando, todos podem discernir uma transformação universal, “e assim, os santos crescem na graça, aperfeiçoando a sua santidade no temor de Deus” Confissão de Fé, 13:3. 

III) Da nossa aceitação por Cristo. Ele sabe que o nosso Espírito está pronto, e sabe também que a nossa carne é fraca, Mt.26:41. Enfim, Ele nos conhece, mas, mesmo assim, nos recebe como estamos, pedindo apenas uma lealdade sincera, acrescentando: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” Jo.14:15. Ele não é um Senhor tirano, antes, é “manso e humilde de coração”. Quem anda de acordo com a sua direção, achará descanso para a sua alma, porque o seu jugo é suave e o seu fardo é leve, Mt.11:29-30. Por que Cristo tem esta confiança em nós? Porque é Ele quem efetua em nós, tanto o querer como o realizar, Fl.2:13. Ele nos recebe com tanta boa vontade, portanto, nós devemos nos esforçar para segui-lo de maneira sincera e irrestrita. 

IV) Da consumação da sua obra em nós. Por esta obra que Ele está realizando em nós ser renovadora, ela há de progredir em aperfeiçoamento. Ele tem tanta certeza do bom êxito da sua obra em nós que, mesmo agora, pode afirmar: “Tu és toda formosa, e em ti não há defeito”. O Ap. Paulo descreveu a Igreja como “gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante; porém, Santa e sem defeito” Ef.5:27. Cristo costuma descrever a sua Igreja de acordo com a perfeição da sua própria natureza, porque fomos predestinados para sermos conformes à sua imagem, Rm.8:29. Se Cristo pode falar com tanta certeza da nossa perfeição final, devemos nos sentir motivados para progredir cada vez mais em nossa santificação. O Ap. Paulo confessou: “Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus” Fl.3:12.

d) O convite que Cristo entregou à sua Igreja, V.8. Aqui, a Igreja é chamada “noiva minha”, indicando um compromisso mútuo. Cristo é o cabeça da Igreja, sendo ele mesmo o salvador do corpo. Ef.5:23. Cristo cuida da sua Igreja, dando-lhe as direções que redundam em sua salvação. E a Igreja, por sua parte, reconhece o amor de Cristo que está presente em todas as suas orientações; por isso, confia nele e O segue espontânea e humildemente. No contexto desta comunhão de confiança e segurança espiritual, Cristo convida a sua Igreja: “Vem comigo do Líbano (o lugar em que vivemos), noiva minha, vem comigo do Líbano”.

I) O motivo deste convite. A Igreja, apesar de ser redimida, continua vivendo neste mundo (o nosso Líbano, que é visto como lugar inóspito, 2 Rs.14:9; Is. 29:17), tão cheio de trabalhos e de fadigas, Gn.5:29. Por causa do cansaço que debilita as nossas forças, é necessário que tenhamos tempos periódicos de descanso. Quando os discípulos voltaram para Jesus, depois de uma missão intensa de  evangelização, não houve tempo para descansar e nem para comer, porque logo ficaram envolvidos ajudando o Senhor a cuidar das necessidades das multidões. Porém, num dado momento, percebendo a carência de seus próprios discípulos, Jesus lhes disse: “Vinde, repousar um pouco, à parte, num lugar deserto; porque eles não tinham tempo nem para comer, visto serem numerosos os que iam e vinham” Mc.6:31. Além do descanso garantido no Quarto Mandamento, devemos organizar um tempo diário para estarmos a sós com o Senhor, a fim de pedirmos forças para cumprir, fielmente, as nossas responsabilidades. O culto doméstico deve ser uma parte da nossa rotina diária, porque, através dele, alimentamos as nossas forças físicas e espirituais. A vida se torna insuportavelmente cansativa quando não damos o devido tempo para parar, orar e confiar os cuidados do dia à direção de Deus. Precisamos ouvir, novamente, o convite do Senhor Jesus: “Vem comigo do Líbano, noiva minha, vem comigo do Líbano”. A dupla repetição do convite enfatiza a importância e a urgência da oportunidade. 

II) O local do convite. “Olha do cume do Amana, do cume do Senir e do Hermom”. O Ap. João foi convidado: “Sobe para aqui, e te mostrarei o que deve acontecer depois destas coisas” Ap.4.1. Desta altitude, podemos “olhar” para baixo e receber uma visão mais global das coisas que passam por este mundo. Quando estamos no meio das correrias desta vida, há o perigo de ver de maneira limitada e distorcida, mas lá em cima, nos lugares celestiais, em plena comunhão com Cristo, a percepção é mais verdadeira. Aqui em baixo, nem sempre podemos discernir, com a devida clareza, as “ciladas do diabo”, mas, lá “do cume”, é bem mais fácil. Por causa desta visão parcial que temos aqui em baixo, devemos orar como o Salmista: “Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei” Sl.119:18. Quando queremos que Cristo nos abençoe de maneira especial, temos que deixar as preocupações deste mundo, atender o seu convite, e subir para onde Ele está.

“Ouvi o Salvador dizer: Vem descansar em mim
E confiante, receber conforto e paz sem fim.
Fui a Jesus e lhe entreguei meu triste coração!
Abrigo e paz eu nele achei, achei consolação!” HNC, 250.

III) O perigo implícito no convite. “Dos covis dos leões, dos montes dos leopardos”.  Numa linguagem alegórica e inconfundível, o texto está nos ensinando que comunhão espiritual com Cristo não nos dá, necessariamente, uma proteção inviolável das circunstâncias negativas desta vida. Os leões são símbolos dos perigos que nos cercam diariamente. O Ap. Pedro nos adverte: “Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar”. Contudo, qual é o nosso dever diante deste antagonismo? “Resisti-lo firmes na fé, certos de que sofrimentos iguais aos vossos estão se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo” 1 Pe.5:8-9. É muito importante lembrar que nós não somos os únicos enfrentando tempos difíceis. Muitas vezes, estas dificuldades são provocadas pelos “perversos” que procuram nos oprimir. “Parecem-se com o leão, ávido por sua presa, ou o leãozinho, que espreita de emboscada”. E qual foi a reação do Salmista? Ele clamou ao Senhor: “Levanta-te, Senhor, defronta-os, arrasa-os; livra do ímpio a minha alma com a tua espada, com a tua mão, Senhor, dos homens mundanos” Sl.17:8-14. A presença de Jesus no barco, juntamente com os discípulos, não impediu a chegada de uma tempestade impetuosa, que deixou os discípulos aterrorizados e gritando ao Senhor: “Mestre, não te importa que pereçamos?” Novamente, é importante observar que, seja qual for a circunstância, quando a Igreja clama, Ele está sempre pronto para repreender o mal e a deixar os seus discípulos maravilhados diante de seu poder, Mc.4:35-41 (esta repreensão nem sempre é dada na hora em que pedimos, porém, será dada no momento mais proveitoso).

Por que somos convidados a subir até os covis dos leões e aos montes dos leopardos, estes lugares de perigo espiritual? Ele é servido em usar de circunstâncias comuns, negativas ou positivas, a fim de nos disciplinar, para que sejamos mais e mais conformes a imagem de Jesus Cristo, Rm.8:29. Os nossos pais “nos corrigiam por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia. Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade. Toda disciplina (circunstâncias negativas), com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça” Hb.12:10-11. No meio das suas lamentações, o Salmista confessou: “Quanto a mim, confio em ti Senhor. Eu disse: tu és o meu Deus. Nas tuas mãos estão os meus dias; livra-me das mãos dos meus inimigos e dos meus perseguidores. Faze resplandecer o teu rosto sobre o teu servo: salva-me por tua misericórdia” Sl.31:14-16. Quando o Senhor é servido em nos conduzir por caminhos incompreensíveis, deixamos a fé nos confortar, assim, logo confessaremos: Não temerei mal nenhum, porque sei que o Senhor está comigo, apoiando-me com o consolo das promessas das Escrituras Sagradas. Ele nos convida: “Vem comigo”, e nós o seguimos, despreocupadamente, mesmo quando o caminho nos leva para os covis dos leões e para os montes dos leopardos. Estejamos sempre prontos para nos apresentar, dizendo: “Eis aqui estou para fazer, ó Deus, a tua vontade” Hb.10:9.


2. Cristo Confessa o seu Amor para a sua Igreja, Vs.9:15. 

No versículo 8, Cristo convidou a sua Igreja para subir ao cume dos montes, a fim de desfrutar de um tempo à parte, em comunhão secreta com o seu povo. Nestes momentos, a sós com Cristo, Ele quer sussurrar ao nosso coração a intensidade de seu amor para conosco. 

a) Cristo descreve como Ele se sente ao ver o amor da sua Igreja, Vs.9-10. Como é que Ele se sente? “Arrebataste-me o coração, minha irmã, noiva minha; arrebataste-me o coração com um só dos teus olhares, com uma só pérola do teu colar. Que belo é o teu amor, ó minha irmã, noiva minha! Quanto melhor é o teu amor do que o vinho, e o aroma dos teus ungüentos do que toda sorte de especiarias”. Vemos nestes versículos:

I) Os nomes que Cristo usa para descrever a sua Igreja. “Minha irmã, noiva minha”. Neste texto, Cristo está ansioso para externar como Ele se sente ao contemplar a sua Igreja, que brilha com as marcas de um amor dedicado e sem fingimento. “O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal, não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba” 1 Co. 13:4-8. Não nos cansamos de ouvir as suas recomendações! De fato, Ele nos ama com “amor eterno”. 

II) Os nomes que descrevem a multiforme composição da Igreja. “Minha irmã, noiva minha”. Os dois termos descrevem, de modo abrangente, um trato especial e aconchegante. Quando uma certa pessoa falou da “mãe, irmãos e irmãs” de Jesus, referia-se a uma identificação exclusiva com a humanidade. Ele perguntou: “Quem é minha mãe e meus irmãos? E, correndo o olhar pelos que estavam assentados ao redor, disse: Eis minha mãe e meus irmãos. Portanto, qualquer que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe” Mc.3:31-35. Quando contemplamos a grande multidão dos redimidos, reparamos como a presença de pais, mães, irmãos e irmãs, “de todas as nações, tribos, povos e línguas”, todos que são praticantes da vontade de Deus estão presentes, Ap.7:9. Desta grande multidão, é muito importante quando podemos particularizar e confessar: “Vivo pela fé no Filho de Deus que me amou e a si mesmo se entregou (à morte substitutiva) por mim” Gl.2:20. 

III) O efeito do amor da Igreja sobre o coração de Cristo. “Arrebataste-me o coração minha irmã, noiva minha, arrebataste-me o coração”. A repetição da frase enfatiza, de maneira dramática, o efeito do amor da Igreja sobre os sentimentos de Cristo. O verbo “arrebatar”, em hebraico, não se encontra em nenhum outro lugar no Antigo Testamento, e significa: “o coração foi-lhe tirado”, ficou cativo, ao contemplar o amor da Igreja. Por isso, Cristo criou uma palavra nova, a fim de expressar a intensidade da sua emoção. Grandes oradores podem cativar o coração de seus ouvintes pelo poder de sua retórica. E o amor da Igreja cativou o coração de Cristo. Parece que Ele está dizendo: Minha irmã, noiva minha, tu tomaste posse do meu coração, não posso fazer outra coisa a não ser amar-te com meu amor eterno. Cristo pronunciou uma verdade singular quando falou: “Onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” Mt.6:21. O tesouro que Cristo ama é a Igreja, por isso, o seu coração está no meio dela. Qual é o efeito do amor de Cristo sobre as nossas atitudes e disposições? O Ap. Paulo confessou: “Pois o amor de Cristo nos constrange”. 2 Co.5:14. O reconhecimento da intensidade do amor de Cristo para conosco, a ponto de apresentar-se como o nosso substituto, a fim de tomar sobre si mesmo o castigo que nós, os pecadores, merecíamos receber, deve nos constranger a praticar um amor semelhante e a cultivar uma disposição para nos gastarmos cada vez mais em prol da glória de Cristo, 2 Co.12:15. 

IV) Como este arrebatamento aconteceu. “Com um só dos teus olhares, com uma só pérola do teu colar”. Cristo não precisou olhar demoradamente, um relance rápido, um fechar e abrir dos olhos foi suficiente para comunicar-lhe a beleza da sua Igreja. Ele não precisou contar, uma por uma, as pérolas no colar da sua Igreja para verificar a sua diligência. “Com uma só pérola” Ele reconheceu a sua lealdade. Por que a mulher na parábola da dracma perdida ficou tão preocupada ao descobrir a falta de uma moeda? Ela não quis ser encontrada pelo marido como uma esposa displicente. Assim, a Igreja deve ter todas as evidências de seu amor e dedicação em plena visibilidade. Esta evidência é especialmente o fruto do Espírito Santo, Gl.5:22-23. Cristo ensinou: “Pelos seus frutos os conhecereis” Mt.7:16. “E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” 2 Co.5:17. Que Cristo possa exclamar, comovidamente, em nosso favor: “Que belo é o teu amor, ó minha irmã, noiva minha!”

V) Como Cristo compara o amor da sua Igreja. “Quanto melhor é o teu amor do que o vinho”. Podemos observar o uso do vinho em três circunstâncias. Primeira, na área da providência. Deus supre as necessidades de todas as suas criaturas: “a relva para os animais e as plantas, para o serviço do homem, de sorte que da terra tire o seu peso, o vinho que alegra o coração do homem, o azeite que dá brilho ao rosto, e o alimento, que lhe sustém as forças” Sl.104:14-15. Mas, apesar da importância de cada uma destas providências, o amor é incomparavelmente melhor. Estas providências materiais podem satisfazer, momentaneamente, as necessidades do corpo, mas o amor satisfaz, ininterruptamente, as necessidades da alma. Quão preciosa é a confissão: “Amo o Senhor, porque Ele ouve a minha voz e as minhas súplicas” Sl.116:1. É, também, igualmente consolador, quando testemunhamos: “Vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” Gl.2:20. Feliz a pessoa que pode dizer, por experiência própria: o amor é melhor do que as coisas passageiras desta vida.

Segunda, na área de cerimônias religiosas. O vinho foi usado nas libações associadas com certos holocaustos, em aroma agradável ao Senhor. O animal foi imolado e oferecido em holocausto e o vinho foi derramado, lentamente, sobre o sacrifício, simbolizando que uma vida fora derramada em favor do ofertante, o merecedor da morte, Nm.15:1-10. O Ap. Paulo, aguardando a morte, descreveu o processo em termos de uma libação; a sua vida estava sendo derramada por causa do evangelho de Jesus Cristo, 2 Tm.4:6-8. O vinho é usado na Ceia do Senhor a fim de trazer à nossa memória a morte substitutiva de Jesus Cristo e o derramamento de seu precioso sangue como selo da Nova Aliança da graça de Deus, 1 Co.11:23-27. Cristo demonstrou a natureza do seu amor para conosco quando deu a sua vida em resgate por muitos. A realidade da obra vicária de Jesus Cristo no Novo Testamento é superior à simbologia do vinho no Antigo Testamento, por isso, nós o amamos com singeleza de coração.

Terceira, na área de contraste. O Ap. Paulo exortou: “E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito” Ef.5:18. O vinho, no sentido negativo, é a causa de dissolução, quando usado em excesso. A força da nossa vida espiritual não vem de meios materiais, antes, precisamos da plenitude do Espírito Santo para direcionar a nossa vida.

A segunda comparação. “O aroma dos teus ungüentos do que toda sorte de especiarias”. Os ungüentos foram usados nas unções religiosas do Antigo Testamento e as especiarias nos rituais dos sacrifícios. Estas unções foram usadas para exercer um ministério especial, como no caso daquele dos sacerdotes. Nós, que cremos em Jesus Cristo, fomos ungidos com o Espírito Santo que nos capacita a viver a vida cristã para a glória de Deus. Por causa desta unção, temos o “conhecimento” da vontade de Deus, juntamente com todas as graças espirituais da beleza de Cristo que testificam da comunhão com Ele, At.4:13. Esta unção é melhor do que todas as especiarias de uma religião ritualística. Eis a nossa oração:

“Que a beleza de Cristo se veja em mim,
Toda a sua admirável pureza e amor.
Ó tu chama divina, todo o meu ser refina,
Té que a beleza de Cristo se veja em mim”. HSH, Coro xiv.

b) As três virtudes da Igreja, V.11. Mais uma vez, Cristo está externando o seu prazer ao comentar sobre as virtudes intrépidas da sua Igreja quanto ao seu testemunho perante as pessoas indiferentes deste mundo. E esta verdade (os elogios de Cristo) deve nos encorajar a perseverar com renovada decisão na prática de uma vida santa e irrepreensível, pois o nosso testemunho há de nos acompanhar, mesmo depois da nossa morte, Ap.14:13.

I) Os nossos lábios. Cristo elogiou a sua Igreja, dizendo: “Os teus lábios, noiva minha, destilam mel”. O Salmista orava: “As palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam agradáveis na tua presença, Senhor, rocha minha e redentor meu” Sl.19:14. E, para ilustrar o sentido destas palavras tão chamativas, a Bíblia sugere: “Palavras agradáveis são como favo de mel: doces para a alma e medicina para o corpo” Pv.16:24. Por que Cristo destaca os lábios da sua Igreja? Por causa do fruto que eles apresentam. Os lábios do seu povo estão ocupados oferecendo “a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome” Hb.13:15. Louvor e ações de graças estão sempre nos lábios dos redimidos por causa do dom inefável, que é Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, 2 Co.9:15. Se nós queremos receber os elogios de Cristo, temos que nos conformar às palavras citadas pelo Ap. Pedro: “Quem quer amar a vida e ver dias felizes refreie a língua do mal e evite que os seus lábios falem dolosamente; aparte-se do mal, pratique o que é bom, busque a paz e empenhe-se  por alcançá-la. Porque os olhos do Senhor repousam sobre os justos, e os seus ouvidos estão abertos às suas súplicas, mas o rosto do Senhor está contra os que praticam males” 1 Pe.3:10-12. “Quem deste modo procede não será jamais abalado” Sl.15:5. 

II) A língua. “Mel e leite se acham debaixo da tua língua”. Mel e leite representam abundância e bênção de Deus. A terra de Canaã foi vista como “uma terra boa e ampla, terra que mana leite e mel” Ex.3:8; ou seja, uma terra cheia dos melhores frutos para saciar todas as necessidades físicas e espirituais dos Israelitas. Assim são as palavras do povo de Deus, porque elas agradam e edificam os ouvintes. Às vezes elas são repreensões, porém são dadas com longanimidade, 2 Tm.4:2. Esta é a disposição que atrai os louvores de Cristo. Ele confessou: “O Senhor Deus me deu língua de eruditos, para que eu saiba dizer boa palavra ao cansado” Is.50:4. Que nós, da mesma forma, possamos ter “boa palavra ao cansado”. 

III) Os vestidos. “A fragrância dos teus vestidos é como a do Líbano”. Isaque, já cego, reconheceu o seu filho pelo cheiro da roupa que usava, Gn.27:27.Vestidos são usados para cobrir a nudez do corpo. A nossa nudez espiritual tem que ser coberta, a fim de sermos recebidos por Deus. Eis o testemunho de Jó: “Eu me cobria de justiça e esta me servia de veste” Jó.29:14. Através de uma vida santa e irrepreensível, dia e noite, Jó foi reconhecido como homem temente a Deus. O cristão é aquele que se vestiu de Jesus Cristo, Rm.13:14. O Ap. Tiago fez questão de enfatizar o aspecto demonstrativo da nossa justiça. “Verificais que uma pessoa é justificada por obras (atos de obediência ao que Deus manda, como no caso de Abraão, que obedeceu pela fé) e não por fé somente (...) Assim, também a fé, se não tiver obras (atos de obediência) por si só está morta” Tg.2:17,24. Nós somos reconhecidos como cristãos por causa da nossa veste, isto é, Cristo manifestado em nós mediante a nossa conformidade à sua imagem, Rm.8:29. 

c) Cristo compara a sua Igreja com sete belezas de uma propriedade particular, Vs.12-15. Podemos observar que cada uma destas comparações descreve, em primeiro lugar, a natureza exclusiva daquele que crê em Jesus Cristo; e, em segundo lugar, o crente tem esta exclusividade por causa das graças de Cristo que se manifestam eficazmente nele. Por isso, temos que vigiar e perseverar na prática das virtudes cristãs.

(1) Um jardim fechado. “Jardim fechado és tu, minha irmã, noiva minha”. Um jardim fechado é uma gleba onde o dono cultiva plantas especiais para o seu próprio prazer, ou, para o prazer exclusivo de alguém que é muito amado. Por ser fechado, somente os convidados têm acesso. A vida do crente é o templo do Espírito Santo, separado, murado e protegido dos intrusos deste mundo, um lugar onde o fruto do Espírito Santo cresce, a fim de agradar o nosso Amado, Jesus Cristo. “Naquele dia, dirá o Senhor: Cantai a vinha deliciosa! Eu, o Senhor, a vigio e a cada momento a regarei; para que ninguém lhe faça dano, de noite e de dia eu cuidarei dela” Is.27:2-3. Cristo descreveu a relação que a Igreja tem com Ele, dizendo: “Eu sou a videira, vós, os ramos” Jo.15:5. Por causa desta comunhão mútua, Cristo nos dá toda a proteção necessária para que sejamos guardados contra os intrusos do mal. 

(2) Um manancial recluso. A Igreja não é apenas um jardim fechado, ela é também um manancial recluso. Novamente, a idéia de exclusividade: “O Senhor te guiará continuamente, fartará a tua alma até em lugares áridos e fortificará os teus ossos; serás um jardim regado e como um manancial cujas águas jamais faltam. Is.58:11. Cristo usou uma linguagem semelhante para descrever o seu povo. “Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Isto Ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem” Jo.7:38-39. E, falando com a mulher samaritana, disse: “Quem beber desta água (do poço) tornará a ter sede; aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna” Jo.4:13-14. Em Cristo Jesus, o crente tem água, uma vida espiritual que satisfaz não apenas as suas próprias necessidades espirituais, mas que jorra para aqueles ao seu redor. O crente “é como árvore plantada junto a corrente de águas, que no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem sucedido” Sl.1:3. Por ser um manancial recluso, o crente recebe uma proteção especial para que as suas águas não se tornem turvas pelas interferências deste mundo. “Sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé; para a salvação preparada para revelar-se no último tempo” 1 Pe.1:5. Devemos vigiar a nossa vida para que a água que jorramos seja limpa e vivificante. “Acaso pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é amargoso?” Tg.3:11. 

(3) Uma fonte selada. Um manancial recluso e uma fonte selada são semelhantes. A diferença está nos adjetivos. Aqui, a Igreja é comparada a uma fonte selada. Por causa deste selo, o objeto selado fica inviolável. O túmulo de Cristo foi selado na esperança de impedir a ressurreição, a vitória de Cristo sobre a morte. Mas, graças a Deus, nenhum selo humano seria capaz de frustrar aquela grande manifestação do poder soberano de Deus. A Igreja está selada contra qualquer interferência externa. As portas do inferno podem tentar violá-la, contudo, jamais prevalecerão contra ela, Mt.16:18. Os crentes são “selados (com o Espírito Santo) para o dia da redenção” (a libertação definitiva) Ef.1:13; 4:30. Por causa deste selo, a Igreja tem uma proteção semelhante àquela que os patriarcas experimentaram durante as suas peregrinações. “A ninguém permitiu que os oprimisse; antes, por amor deles repreendeu a reis, dizendo: Não toqueis nos meus ungidos, nem maltrateis os meus profetas” Sl.105:14-15.

(4) Um pomar de romãs. Um pomar de todo tipo de frutos excelentes. Notemos que todas as árvores deste pomar produzem especiarias que foram usadas nas cerimônias de sacrifícios no Templo em Jerusalém. Portanto, a comparação se refere às muitas graças espirituais que adornam o crente em Cristo Jesus. O Ap. Tiago, comentando sobre os aspectos deste fruto, disse: “A sabedoria, porém, lá do alto é, primeiramente, pura; depois, pacífica, indulgente, tratável, plena de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem fingimento. Ora, é em paz que se semeia o fruto da justiça, para os que promovem a paz” Tg.3:17-18. A comparação nos ensina como devemos entender a vida cristã: primeiro, comunhão espiritual; depois, uma vida dedicada para manifestar o fruto deste andar com Cristo. Ele mesmo disse: “Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós (comunhão espiritual) (...) Nisto é glorificado o meu Pai, em que deis muito fruto (o resultado deste andar com Cristo); e assim vos tornareis meus discípulos” Jo.15:4,8. Será que Cristo está vendo em nós este fruto, que é a evidência do nosso andar com Ele? 

(5) Uma fonte dos jardins. Aqui, a Igreja é vista como uma fonte que rega outros jardins. A graça de Cristo em nós é como “uma fonte a jorrar para a vida eterna” Jo.4:14. Ela não apenas satisfaz o indivíduo que a possui, mas, a abundância é tão generosa, que ela jorra para alcançar outras vidas. Deus, depois de chamar a Abraão e vesti-lo com toda sorte de dádivas, disse-lhe: “Sê tu uma bênção” Gn.12:2. Recebemos para podermos repartir com outros. “De graça recebestes, de graça dai” Mt.10:8. Através da abundância destes bens espirituais, Deus está sempre “visando o fim proveitoso” 1 Co.12:7. Neste sentido, o Ap. Paulo confessou aos crentes em Roma: “E estou certo, meus irmãos, a vosso respeito, de que estais possuídos de bondade, cheios de todo o conhecimento, aptos para admoestardes uns aos outros” Rm.15:14. 

(6) Um poço de águas vivas. Sim, temos que ser uma bênção na vida de outras pessoas, mas como? O Senhor Deus se autodesignou como “o manancial de Águas vivas” Jr.2:13. Portanto, quando estamos recebendo destas águas, a nossa alma será como um jardim regado e nunca mais desfalecerá, Jr.31:12. Por causa desta graça, o Ap. Paulo pôde confessar: “Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã; antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo” 1 Co.15:10. Certamente, as palavras de Cristo são dirigidas a cada um de nós: “A seara, na verdade, é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara” Mt.9:37-38. E, depois de termos orado desta maneira, quem sabe, podemos responder a nossa própria oração, dizendo: “Eis-me aqui, envia-me a mim” Is.6:8. 

(7) “Torrentes que correm do Líbano”. A experiência cristã já começa no Líbano, no mundo em que vivemos (ver Cantares 4:8), mas a Palavra de Deus nos aponta para Cristo, aquele que nos oferece a plenitude desta experiência cristã (o plural é usado aqui: “torrentes”). Quando Jesus desafiou os seus discípulos a confessarem a origem da sua espiritualidade, o Ap. Pedro logo confessou: “Senhor, para onde iremos, tu tens as palavras da vida eterna; e nós temos crido e conhecido que tu és o Santo de Deus” Jo.6:68-69. Como os ramos recebem o seu sustento da videira, assim, nós, também, recebemos o nosso alimento espiritual de Jesus Cristo. Deus não pede que trabalhemos com nossa própria força; Ele mesmo é o que dá a capacidade. Quando o Ap. Paulo estava sendo julgado em Roma, ninguém foi a seu favor, contudo, ele nos deixou este testemunho: “Mas o Senhor me assistiu e me revestiu de forças, para que, por meu intermédio, a pregação fosse plenamente cumprida, e todos os gentios a ouvissem; e fui libertado da boca do leão”. E ele resumiu a sua confiança no poder libertador, dizendo: “O Senhor me livrará também de toda obra maligna e, me levará salvo para o seu reino celestial. A Ele, glória pelos séculos dos séculos. Amém” 2 Tm.4:17-18. Por causa deste auxílio que vem do Senhor, podemos estar confiantes em toda e qualquer situação. Cristo nos deu esta promessa: “Quando vos levarem às sinagogas e perante os governadores e às autoridades, não vos preocupeis quanto ao modo por que respondereis, nem quanto às coisas que tiverdes de falar. Porque o Espírito Santo vos ensinará, naquela mesma hora, as coisas que deveis dizer” Lc.12:11-12. Quando a graça de Deus está na vida de alguém, sempre haverá os devidos frutos. Que os membros da Igreja sejam “torrentes que correm do Líbano”, pessoas que são sustentadas pelas providências divinas e capazes de produzir fruto para a glória de Deus.

d) Como a Igreja reage diante dos elogios de Cristo, V.16. Nestes elogios, o dizer predileto de Cristo é: “Os seus lábios (ou qualquer outro membro do corpo humano) são como...” Ele não cansa de se maravilhar com a perfeição da nossa santificação. Como podemos conciliar estes elevados elogios com a realidade do nosso estado atual, tão manchado pela patente imperfeição? Cristo nos vê através da perfeição da sua própria obra em nós, isto é, em nosso estado final: “os espíritos dos justos aperfeiçoados” Hb.12:23. Embora reconheçamos e lamentemos as nossas deficiências, a nossa firme confissão é esta: “Não que eu tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus” Fl.3:12. Este anseio ardente forma o contexto para a oração no V.16. “Ah! Venha ó meu amado para o seu jardim (que tu mesmo adquiriste com o teu precioso sangue) e coma dos frutos excelentes!”

I) O convívio da Igreja. “Levanta-te, vento norte, e vem tu, vento sul”. A Igreja sabe que não pode viver independente das ministrações do Espírito Santo, que aqui são vistas como a atuação de ventos. Mediante este convívio, andando no Espírito, a Igreja não fica tentada a satisfazer a concupiscência da carne, Gl.5:16. “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito” Jo.3:8. O Espírito Santo tem duas ministrações diferentes, simbolizadas pelo vento norte e pelo vento sul; ambas imprescindíveis para o nosso crescimento espiritual. O “vento norte”, por ser mais frio e desagradável, fala das correções do Senhor quando Ele está convencendo a Igreja do pecado e dos desleixos. “Quando Ele (o Espírito Santo) vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo” Jo.16:8. “Toda disciplina, com efeito, no momento, não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça” Hb.12:11. “Levanta-te, vento norte”, preciso da tua obra corretiva e santificadora. O “vento sul”, por ser mais ameno, fala das consolações que precisamos para nos encorajar no meio das tribulações que procuram incomodar a nossa tranqüilidade. Cristo era um Consolador para os seus discípulos, mas, à vista da sua partida, Ele prometeu outro Consolador, que pudesse estar para sempre com todo o seu povo, esclarecendo: “Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” Jo.14:16. “Levanta-te, vento sul”, pois quero caminhar no temor do Senhor e no conforto do Espírito Santo, At.9:31. Feliz a Igreja que conhece as diversas ministrações do Espírito Santo de Deus executando em nós a sua boa e agradável vontade, Rm.12:1-2. 

II) O convênio da Igreja. “Assopra no meu jardim, para que se derramem os seus aromas”. O “meu jardim” é a minha vida, redimida pelo precioso sangue de Cristo e selada com o dom do Espírito Santo. Os aromas que fazem a nossa vida algo agradável e aceitável são as graças, ou, dons do Senhor Jesus Cristo. Estas dádivas nem sempre estão em plena evidência, pois a nossa coragem tem uma tendência de desvanecer diante do calor das circunstâncias negativas que procuram nos assolar. Por isso, a Igreja, sentindo estas pressões, pede: “Assopra no meu jardim para que se derramem os seus aromas”. Sem esta intervenção e convênio com o Espírito Santo, a nossa vida se tornaria estéril e infrutífera. Timóteo recebeu uma graça especial para pregar o evangelho, contudo, o Ap. Paulo tinha ocasião para exortar: “Por esta razão, pois, te admoesto que reavives o dom de Deus que há em ti” 2 Tm.1:6. E, de forma semelhante, um certo Arquipo foi advertido: “Atenta para o ministério que recebeste do Senhor, para o cumprires” Cl.4:17. Parte da pregação visa à vivificação da Igreja para que ela se lembre de seus deveres diante de Deus, 2 Pe.1:12-14. Sem este toque vivificante do Espírito Santo para exercer o nosso ministério, é possível ficar desorientado a ponto de regressar aos deleites do mundo, como no caso de Demas, 2 Tm.4:10. Podemos mencionar como causa do enfraquecimento espiritual o simples viver de cada dia, com suas preocupações e desgastes para manter a vida em equilíbrio. Cristo advertiu: “E, por se multiplicar a iniqüidade (pressões espirituais), o amor se esfriará de quase todos. Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo” Mt.24:12-13. Seja qual for a nossa ocupação particular, temos uma grande necessidade para orar: “Assopra no meu jardim para que se derramem os seus aromas”. Precisamos de todas as variadas ministrações do Espírito Santo, para que sejam como o vento norte ou o vento sul:

“Eu confio em ti Senhor, meu viver vem transformar!.
Quero, pois, com gratidão minha vida consagrar!
Santo Espírito de Deus, dá-me graça em teu poder!
De ti procede todo o bem, faze-me mais santo ser!” HNC, 84.

III) O convite da Igreja. A Igreja pediu a intervenção do ministério instruidor do Espírito Santo e a recebeu, conforme a promessa, 1 Ts.4:8. Agora, ela deseja mais ainda. Somente a presença de Cristo pode lhe conceder uma satisfação completa. Ele é o bom Pastor que cuida do seu rebanho; o Pão da vida que satisfaz a necessidade espiritual; e a Videira que sustenta cada um de seus ramos. Ele é tudo para a sua Igreja. Por isso, o convite ardoroso: “Ah! Venha o meu amado!” Quando nós cremos em Cristo, conforme a direção das Escrituras, Ele deve ser o Amado de nossa alma, aquele que tem prioridade em todos os instantes da nossa vida. O Ap. Paulo estabeleceu este princípio: “E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, faze-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai” Cl.3:17.

A Igreja quer que o Senhor Jesus ocupe um lugar específico, que venha para o “seu jardim”. No início do versículo, a Igreja pediu que o Espírito Santo soprasse “no meu jardim”. Ele veio e exerceu a sua obra santificadora. Agora, a Igreja se dirige a Cristo, convidando-o a tomar posse da propriedade que Ele comprou por alto preço, o seu precioso sangue. Por isso, pesa sobre nós o dever solene de engrandecer a Cristo em todo o nosso procedimento. Que Ele possa sentir que a nossa vida é o “seu jardim”.

“Eis-me, ó Salvador, aqui! Corpo e alma oferto a ti!
Servo inútil, sem valor, mas pertenço ao meu Senhor!
Eu, remido pecador, me dedico ao Redentor.
Teu é este coração, teu em plena sujeição”. HNC, 225.

Mas, por que desejamos que Cristo entre em “seu jardim?” Desejamos que ele “coma os seus frutos excelentes”, que desfrute dos frutos que Ele mesmo cultivou. Apesar de estes frutos crescerem em nossa vida, eles não são resultado dos nossos esforços, antes, são as evidências da graça de Cristo em nossa vida. Alguns dos Coríntios eram notoriamente pervertidos: impuros, adúlteros, ladrões etc; porém, algo sobrenatural aconteceu: o pecado foi abandonado, foram regenerados, lavados, santificados e justificados, 1 Co.6:11. Cristo é convidado para contemplar os frutos excelentes que agora existem em nossa vida. São realidades espirituais, pois, “Se alguém está em Cristo, é nova criatura, as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” 2 Co.5:17. Que possamos cuidar do jardim do Senhor Jesus, ou seja, da nossa vida, de tal maneira que estejamos sempre prontos para convidar: “Ah! Venha o meu amado para o seu jardim e coma os seus frutos excelentes.”

IV) A condescendência de Cristo, 5:1. Tão logo Cristo recebeu o nosso convite, Ele, sem qualquer demora, declarou: “Já entrei no meu jardim (a nossa vida), minha irmã, noiva minha”. E, uma vez dentro, Ele logo começou a exercer três atividades: “Colhi a minha mirra com a especiaria”. Ele tomou as suas graças (regeneração, purificação, santificação e justificação) e retocou-as a fim de que fossem ainda mais evidentes e aperfeiçoadas. Aquele que começou boa obra em nossa vida, há de completá-la até o Dia da vinda de Cristo, Fl.1:6. “Comi o meu favo com o mel”. Alimentou-se e alegrou-se ao ver o progresso destes frutos excelentes. “Bebi o meu vinho com o leite”. Vinho e leite são alimentos que revigoram e fortalecem para que aquela obra em nós tenha a devida continuação. Cristo, depois de verificar os frutos excelentes em pleno desenvolvimento na vida de seu povo, consolou-se conforme a palavra do Profeta Isaías: “Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito” Is.53:11.

Agora, para dar uma conclusão a este encontro feliz, Cristo levanta os seus olhos para ver as multidões ao seu redor e lança-lhes um convite para experimentar uma comunhão espiritual mais expressiva: “Comei e bebei, amigos: bebei fartamente, ó amados” Ct. 5:1. Devemos cultivar uma compreensão maior da Pessoa de Cristo e da sua prontidão para repartir conosco as riquezas da sua graça. Os seus convites são feitos com a mesma ternura de outrora: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” Mt.11:28-30.

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