domingo, 1 de janeiro de 2012

EXPERIÊNCIAS E OPORTUNIDADES

Leitura Bíblica: Cântico dos Cânticos. 5:2-6:3.

Introdução

No V.2, temos uma alusão à realidade das duas naturezas contrárias que agem simultaneamente na vida de todos aqueles que são verdadeiramente regenerados pelo poder do Espírito Santo. O texto principal que descreve esta verdade está em Romanos 7:15-25. O Ap. Paulo, como crente regenerado, descrevendo a sua própria experiência, confessou: “Porque, nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, porque não faço o que prefiro e sim o que detesto” V.15. Todos que estão regenerados, conforme o ensino das Escrituras Sagradas, entendem este conflito espiritual. Sim, somos novas criaturas em Cristo Jesus, a lei de Deus está escrita sobre o nosso coração, e o nosso verdadeiro prazer está em guardar a vontade de Deus; contudo, há uma outra inclinação que nos incentiva a regressar e a praticar o que detestamos. O Ap. Paulo, lamentando o peso deste conflito, clamou “Desventurado homem que sou: Quem me livrará do corpo desta morte?” Este não é propriamente um grito de desespero, antes, uma exclamação de esperança, porque, logo em seguida, ele acrescenta: “Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor” vs. 24 e 25. Como podemos vencer este conflito espiritual? O Apóstolo responde: “Digo, porém, andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne. Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer (...). Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito” Gl.5:16,17.25.

1. A Confusão da Indolência, Vs.2-5. 

Vemos a manifestação das duas naturezas sob a forma de indolência, ou seja, a negligência dos deveres espirituais, tais como a leitura diária das Escrituras Sagradas, juntamente com a oração perseverante. “Orai sem cessar” é a injunção da Bíblia, 1 Ts.5:17.

a) O conflito espiritual. “Eu dormia, mas o meu coração velava” V.2. A parte carnal dormia, paralisada pela indolência, provocando a negligência dos deveres espirituais. Quando Cristo exortou seus discípulos sobre a necessidade de vigilância, Ele estava pensando nesta tendência carnal. Não devemos permitir que a indolência prejudique a nossa comunhão com Cristo. O Ap. Paulo enfrentava esta tendência nas Igrejas. “Já é a hora de vos despertardes do sono, pois a nossa salvação está, agora, mais perto do que quando no princípio cremos” Rm.13:11. E como podemos cultivar esta vigilância? Devemos fortalecer a nossa comunhão com Cristo usando, diariamente, os meios da graça. “Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências” - crises de sono, Rm.13:14. Contudo, esta indolência inoportuna não significa que o infeliz não é cristão de fato, pois, apesar desta dormência externa, “o coração velava”. Há uma chama de vida que jamais se apagará. O Ap. João esclarece: “Todo aquele que é nascido de Deus, não vive na prática do pecado (não continua nessa inércia espiritual); pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando (vivendo nessa negligência espiritual), porque é nascido de Deus” Jo.3:9. Mais uma vez, o Apóstolo nos adverte: “Mas vós, irmãos, não estais nas trevas, para que esse Dia como ladrão vos apanhe de surpresa; porquanto vós todos sois filhos da luz; nós não somos da noite, nem das trevas. Assim, pois, não durmamos como os demais; pelo contrário, vigiemos e sejamos sóbrios. Ora, os que dormem, dormem de noite, e os que se embriagam, é de noite que se embriagam” 1 Ts.5:4-7. Os perigos espirituais estão iminentes e não convém permitir um cochilo momentâneo, pois este pode desencadear uma série de desgostos espirituais. 

b) O caminho de Cristo. “Eis a voz do meu amado, que está batendo” V.2. No momento em que cochilamos, Cristo, em sua misericórdia, nos envia o seu Espírito para nos despertar e nos convencer do pecado, para que este seja abandonado, Jo.16:8. O Espírito Santo tem muitos meios para falar ao nosso coração: as admoestações de alguém; o exemplo de diligência espiritual de um irmão na fé; e a voz da própria consciência. Mas, a espada principal do Espírito Santo é a Palavra de Deus, que pode surgir em nossa mente, ou ser ouvida pelo ministério na Igreja. Quando Cristo está batendo, Ele espera ser logo atendido, pois promete: “Eis que estou à porta e bato, se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei na sua casa e cearei com ele, e ele comigo” Ap.3:20. O caminho para restaurar uma comunhão perdida é atender e humilhar-se diante da vontade de Cristo. 

c) O apelo de Cristo. Aqui a Igreja ouve as palavras que Cristo falou quando estava batendo. Não são palavras de repreensão por causa das negligências flagrantes, antes, são palavras destinadas a tocar nas profundezas do nosso ser, V.2: Vejam:

I) Os nomes que Ele emprega: “Abre-me, minha irmã, querida minha, pomba minha, imaculada minha”. Por que está demorando tanto para me atender, eu, que tenho feito tudo para conquistar o seu coração? Os nomes exprimem a intensidade do amor de Cristo para com a Igreja. “Ele atrai-os com cordas humanas, com laços de amor” Os.11:4. “Pois ele conhece a nossa estrutura e sabe que somos pó” Sl.103: 14. O resumo da ternura de Cristo para com o seu povo surpreendido pelo sono é este: “Não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega, até que faça vencer o juízo” Mt.12:20. 

II) O argumento em seu apelo. “Porque a minha cabeça está cheia de orvalho, e os meus cabelos, das gotas da noite”. Ele estava batendo e esperou longo tempo para ser atendido por sua Igreja. Existe em seu argumento a idéia de sofrimento e de longanimidade. Quais são os seus sofrimentos ao reconhecer que a sua Igreja está sem vontade para se levantar e entrar em comunhão com Ele? Quem pode medir a sua paciência diante desta afronta? O Ap. Paulo confessou: “Pois o amor de Cristo nos constrange” 2 Co.5:14. A lembrança de que Cristo nos ama, e a si mesmo se entregou por nós, deve nos constranger à prática de uma espontaneidade maior, e a aproveitar cada oportunidade para ter uma comunhão espiritual com Cristo. Este desejo deve ser tão urgente quanto a nossa comida diária, Jo.4:34.

d) A desculpa da Igreja. “Já despi a minha túnica, hei de vesti-la outra vez? Já lavei os pés, tornarei a sujá-los?” V.3. Quando os meios da graça, a leitura da Bíblia e a oração perseverante são negligenciados, uma indolência espiritual toma conta do indivíduo. Em vez de buscar as coisas lá do alto, a tendência é tornar-se egocêntrico, cuidando dos próprios interesses. Aqui, vemos a Igreja despida de sua túnica, deitada e rememorando os trabalhos feitos. Já fiz muito. Agora, deixo os outros fazerem a obra, pois não quero sujar os meus pés novamente. Quero deitar, descansar um pouco e esquecer das exigências da vida cristã, afinal, não posso estar sempre em pé, preciso do repouso. Mas esta atitude não é boa, e, Cristo, como o bom Pastor, sabe do perigo iminente e vem para pastorear a sua Igreja. Ele não invade o nosso ser, antes, vem mansamente, batendo na porta do nosso coração através do ouvir das Escrituras. A Palavra de Deus é como fogo que arde e martelo que esmiúça a penha. Ela entra no coração e exige uma resposta, Jr.23:29. Infelizmente, a Igreja nem sempre está disposta a atender a voz do seu Senhor. Ela luta, resiste, inventa desculpas; mas a hora do descanso ainda não chegou, não é o tempo para se despir e ficar com os pés limpos. A exortação urgente é que revistamo-nos de toda a armadura de Deus para podermos ficar firmes contra as ciladas do diabo, porque a nossa luta não é contra carne e sangue, e sim, contra as forças espirituais do mal. Por isso, vemos Cristo à porta, batendo e insistindo. Não o deixemos assim, esperando por longo tempo, exposto às intempéries da noite. Ele pode demorar para voltar a fim de nos ensinar uma lição. 

e) A insistência de Cristo. “O meu amado meteu a mão por uma fresta, e o meu coração se comoveu por amor dele” V.4. Apesar da insistência de Cristo, batendo e pedindo entrada, o coração da Igreja continuava impassível e entorpecido pela indolência espiritual. Neste contexto, o Profeta registra as perguntas comoventes do Senhor: “Por que razão, quando eu vim, ninguém apareceu? Quando chamei, ninguém respondeu? Acaso, se encolheu tanto a minha mão, que já não pode remir ou já não há força em mim para livrar?” Is.50:2. Temos motivo de eterna gratidão porque a mão do Senhor não se encolheu, por isso, Ele é o Salvador e Ele sabe esmiuçar o coração mais empedernido. O que Cristo fez diante dessa inércia espiritual? A Igreja responde: “O meu amado meteu a mão por uma fresta”. Houve uma pequena fenda no coração que permitiu a comunicação do Salvador. Todo aquele que é nascido de Deus não pode ficar totalmente amortecido, “pois o que permanece nele é a divina semente” 1 Jo.3:9. Cristo tocou esta semente quando meteu a mão por aquela fresta. Da mesma forma que Ele abriu o coração de Lídia para receber a Palavra da Verdade, assim, neste texto, Ele despertou o coração adormecido da sua Igreja. Qual foi o efeito desta vivificação? “O meu coração se comoveu por amor dele”. O amor foi despertado e Cristo voltou a ser o Amado de sua alma; e o amor, por sua vez, levou-a a tomar uma decisão. O verdadeiro amor sempre se manifesta mediante uma ação, pois a Igreja, agora, está disposta a atender a voz de Cristo. Foi o próprio Deus que estabeleceu a natureza do amor, quando agiu em nosso favor entregando o seu único Filho para sofrer como o Substituto de pecadores, Jo.3:16; Rm.5:8. 

f) A decisão da Igreja. “Levantei-me para abrir ao meu amado; as minhas mãos destilavam mirra, e os meus dedos, mirra preciosa sobre a maçaneta do ferrolho” V.5. Finalmente, a Igreja cedeu. De fato, a insistência de Cristo foi como fogo ardendo dentro do coração dela e como martelo esmiuçando a sua resistência, Jr. 23:29. É a bondade de Cristo que nos conduz ao arrependimento, Rm.2:4. Arrependimento consiste em, pelo menos, três passos indispensáveis. Primeiro, o Espírito Santo convence o pecador da sua culpa, fazendo-o confessar: Pequei permitindo esta indolência espiritual. O filho pródigo teve uma experiência semelhante. Na miséria da sua degradação, caiu em si, e, convencido da sua loucura pecaminosa, confessou: “Pai, pequei contra o céu e diante de ti” Lc.15:18. Segundo, o abandono do pecado praticado. Em vez de continuar deitada em plena indolência, a Igreja resolveu: Levantar-me-ei e me apresentarei ao Amado de minha alma. E, de modo semelhante, o filho pródigo, determinado a abandonar as suas imundícias, levantou-se e foi para o seu pai. Lc.15:20. Terceiro, o ato de apresentar-se ao Senhor implica em submeter-se à sua vontade. “Eis aqui estou para fazer, ó Deus, a tua vontade” Hb.10:9. Em nosso texto, a Igreja molhou e purificou as mãos em mirra, simbolizando mãos limpas e prontas para servir ao Senhor. O filho pródigo manifestou a sua nova disposição, confessando: “Já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus trabalhadores” Lc.15:19. “O arrependimento que conduz à vida é uma graça salvífica, operada no coração do pecador pelo Espírito Santo e pela Palavra de Deus” Resposta 76 do Catecismo Maior. Em nosso texto, a Igreja foi conduzida ao arrependimento quando Cristo falou com ela através daquela fenda em seu coração. Quanto ao filho pródigo, a sua experiência foi diferente. Foi necessário levá-lo aos porcos, e, no meio daquela imundícia, ele ouviu a palavra silenciosa do Espírito Santo. Nesse sentido, o Salmista nos dá uma exortação oportuna: “Não sejais como o cavalo ou a mula, sem entendimento, os quais com freios e cabrestos são dominados; de outra sorte não te obedecem” Sl.32:9. Os freios e cabrestos do Senhor podem ser muito dolorosos. A síntese do arrependimento está nestas palavras: “Se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas (a indolência espiritual e a prática de profanações) já passaram; eis que se fizeram novas” 2 Co.5:17.


2. As Conseqüências da Indolência, Vs.6-8. 

Não pode haver nenhuma demora entre a decisão para agir e o passo necessário para efetuá-la. Evidentemente, a Igreja demorou um certo tempo antes de atender a voz do seu Amado; pois, quando finalmente chegou à porta, Cristo não estava mais lá. Ele se cansou de tanto esperar, e, querendo dar uma lição à sua Igreja, retirou-se. Por que a Igreja demorou para agir? Afinal, ela já tinha tomado a decisão: Levantar-me-ei para abrir a porta. Talvez a resposta esteja na mirra. Ela reconheceu que estava em falta com o Senhor, e, sentindo a sua culpa, resolveu fazer algo para merecer uma recepção mais favorável, preparando-se com mirra. Ela se esqueceu de que nada do que fizermos vai nos tornar merecedores do favor de Cristo. O hino 214 do Hinário Novo Cântico ensina a atitude necessária para se apresentar ao Senhor:

“Ouço o meu Senhor dizer: tuas forças débeis são,
Nada podes merecer; eu te dou a salvação”.
(E a Igreja penitente responde)
A ti, Senhor Jesus, venho com estou;
Pois, sem nada merecer, teu sangue me salvou”.

a) A ausência de Cristo. “Abri ao meu amado, mas ele já se retirara e tinha ido embora”. Como podemos entender esta ausência do Senhor, especialmente quando Ele mesmo nos deu a promessa infalível: “Eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século”? Mt.28:20. Cristo está no céu, assentado à destra de Deus, seu Pai. Todavia, a Igreja desfruta da sua presença mediante o Espírito Santo que habita no coração de seu povo. Percebemos a sua presença por causa das suas comunicações espirituais, especialmente aquela paz que excede todo entendimento. O Espírito Santo jamais será retirado da vida de seu povo. Cristo ensinou: “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador (o Espírito da Verdade), a fim de que esteja para sempre convosco” Jo.14:16-17. Porém, reconhecemos que a Igreja pode passar por lapsos de obediência que entristecem o Espírito Santo, Ef.4:30. De que maneira Ele expressa a sua tristeza? Ele retira a sua comunicação de paz, deixando o crente omisso com um vazio em seu coração, como se fosse a ausência do seu Salvador. Lembremo-nos da experiência de Sansão. Mesmo vivendo em pecado, ele confiava na presença e no apoio do Senhor. Assim, quando outra vez cercado pelos filisteus, disse a si mesmo: “Sairei ainda esta vez como dantes, e me livrarei; porque ele não sabia ainda que já o Senhor se tinha retirado dele” Jz.16:4-22. É uma experiência bastante desorientadora quando descobrimos que as comunicações espirituais foram retiradas. Devemos cultivar uma sensibilidade espiritual e permanecer na prática dela, a fim de evitar desorientações posteriores. Afinal, a nossa comunhão com Cristo depende desta sensibilidade. 

b) A tristeza que a Igreja sentiu. “A minha alma se derreteu, quando, antes ele me falou” V.6b. Ela lembrava das palavras suplicantes de seu Amado, implorando: “Abre-me, minha irmã, pomba minha, imaculada minha, porque a minha cabeça está cheia de orvalho, e os meus cabelos, com as gotas da noite”. Agora, diante da porta aberta, sem ninguém para recepcionar, a sua alma se derreteu. Ela caiu em si e reconheceu o tamanho da sua falta. A experiência é semelhante àquela do Ap. Pedro. Ele ouviu as advertências de Cristo, porém, não as acolheu com o devido acatamento. E, depois de ter negado o seu Mestre e sentindo o seu olhar penetrante: “Então, Pedro se lembrou da palavra que Jesus lhe dissera: Antes que duas vezes cante o galo, tu me negarás três vezes. E, saindo dali, chorou amargamente” Mt.27:75. Quando uma pessoa é espiritualmente sensível, o pecado é logo reconhecido, por isso, a alma se derrete (ao sair-lhe a alma, Gn.35:18) pela invasão da tristeza. “Pois eu reconheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim”. Pequei contra o Senhor, contra Ele somente, Sl.51:3-4. O que devemos fazer quando o Espírito Santo nos convence do pecado? Não é suficiente só chorar amargamente, embora isso seja importante. O procedimento bíblico é este: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” 1 Jo.1:9. Mas não somente a confissão, devemos, também, usar todos os meios da graça a fim de experimentar um novo encontro com o Senhor. 

c) A frustração que a Igreja sentiu. “Busquei-o e não o achei; chamei-o, e não me respondeu” V.6c. A Igreja buscou a Cristo pelo estudo da Palavra de Deus. Mas parece que seu entendimento foi impedido de compreender o que estava escrito, pois não o achou. Do estudo das Escrituras, ela experimentou a oração persistente, porém, nem isso teve resultado, pois Ele não respondeu. Este silêncio do Senhor é uma experiência comum entre o povo de Deus. Podemos sentir a frustração do Salmista por causa destes tempos de silêncio, quando ele clamou: “Até quando, Senhor? Esquecer-te-ás de mim para sempre? Até quando ocultarás de mim o rosto? Até quando estarei eu relutando dentro em minha alma, com tristeza no coração cada dia?” Sl.13:1-2. Por que o Senhor nos faz passar por estes tempos de escuridão espiritual? Podemos oferecer três razões. Primeiro, é um castigo, porque a Igreja pecou, vivendo em indolência espiritual, desprezando, por algum tempo, os clamores de Cristo. A Bíblia esclarece: “Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado; porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho que recebe” Hb.12:5-6. Segundo, Ele quer descobrir a sinceridade desta nova disposição da Igreja e a realidade de sua fé. Por que Cristo, aparentemente, desprezou os clamores da mulher Cananéia? Ele estava testando a sua fé, e ela não O desapontou, porque, vendo a persistência dela, Jesus exclamou: “Ó mulher, grande é a tua fé!” Mt.15:28. Terceiro, a experiência desta ausência do Senhor deve nos ensinar a importância de vigiar e cuidar para não permitir outros lapsos semelhantes, pois, por causa da fraqueza da carne e das tentações do mundo temos uma facilidade para cair outra vez na indolência espiritual. Mas, positivamente, o fato de que a ausência do Senhor não nos levou ao abandono da nossa esperança em Cristo é prova que Ele não tinha se retirado por completo, porque a sua graça estava operando em nós, dando-nos perseverança para continuar buscando um encontro com Ele. Cristo e as suas comunicações nunca são totalmente retiradas de nós. 

d) Os guardas da cidade, V.7a. Os guardas representam os oficiais da Igreja. Estes homens escolhidos têm a responsabilidade para atender e pastorear o rebanho de Deus, o qual Ele comprou com o seu próprio sangue, At.20:28. Por isso, a Bíblia nos exorta: “Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos pregam a palavra de Deus; e, considerando atentamente o fim da sua vida, imitai a fé que tiveram” Hb.13:7. 

e) A atitude dos guardas, V.7b. Infelizmente, nem todos os oficiais têm o mesmo compromisso de fidelidade perante o Senhor. Alguns não têm nenhum interesse em atender e nem em pastorear o rebanho de Deus. Eles vivem às custas das ovelhas, mas não trabalham, antes, comem a gordura e vestem-se da lã delas” Ez.34:1-10. Como podemos entender essa situação? Cristo nos preveniu acerca deste problema, dizendo: “levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a muitos” Mt.24:11. Esses falsos oficiais são reconhecidos pela sua maneira de tratar o povo de Deus. “Espancaram-me e feriram-me; tiraram-me o manto os guardas dos muros”, trataram-me com total desprezo. Os crentes em Corinto sofreram com estes falsos oficiais, porém, em vez de resistir, ficaram passivos: “Tolerais que vos escravize, quem vos devore, quem vos detenha, quem se exalte, quem vos esbofeteie no rosto” 2 Co.11:20. Esta passividade diante dos falsos oficiais é um dos resultados de uma indolência espiritual. Novamente, a advertência é: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação” Mt.26:41. “Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, o vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar; resisti-lhe firmes na fé.” 1 Pe.5:8-9. 

f) O apelo para as filhas de Jerusalém, V.8. Estas filhas são os membros descomprometidos da Igreja. À semelhança das virgens néscias, elas vivem no meio das prudentes, participando dos trabalhos espirituais, porém, não se comprometem a viver para a glória de Cristo. Aqui, elas são exortadas, de uma maneira muito forte, a assumir um compromisso, a buscar um encontro com Cristo. “Conjuro-vos” é a linguagem de alguém que faz um voto solene para obedecer aos termos de uma obrigação, se não, terá de prestar contas a Deus. O Ap. Paulo usou este termo com Timóteo: “Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus, que há de julgar vivos e mortos (...) Pregue a palavra” 2 Tm.4:1-2. Timóteo é colocado a contemplar o tribunal de Cristo, onde terá de prestar contas de seu ministério. Desta maneira, ele é coagido a ser instante na pregação do evangelho. Assim, de modo semelhante, as “filhas de Jerusalém” são exortadas a deixar a sua indiferença e a participar na busca de Cristo. E, achando-o, são afiançadas a entregar-lhe uma mensagem urgente: O seu povo está desfalecendo de amor e anseia por um encontro contigo; venha e sacie o anseio dele.

A frase, “desfalecer de amor” é um termo que descreve o efeito do amor que dedicamos a Cristo. Produz uma dor entranhável que toma conta de todo o ser; uma emoção tão forte que leva a pessoa a ponto de quase desfalecer. O Ap. Paulo confessou que o efeito deste amor o constrangia a entregar-se mais e mais a seu Amado, 2 Co.5:14. Este amor permeia a totalidade do nosso procedimento. Amo a Cristo, por isso, não posso ser-lhe infiel. O mesmo Apóstolo disse que o efeito deste amor o levava a uma dedicação irrestrita. “Estou crucificado com Cristo, logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” Gl.2:19-20. Costumamos cantar um hino que expressa tão bem este anseio espiritual:

“Qual suspira a corça inquieta pelas águas a bramir,
Tua divinal presença quer minha alma, ó Deus sentir.
Sede intensa me angustia! Quando, ó Deus, virá o dia
De contínuo me alegrar por teu rosto contemplar” HNC.118.

3. A Consulta na Indolência, V.9. 

As “filhas de Jerusalém” revelaram a sua falta de compromisso para com Cristo através de sua pergunta: “Que é o teu amado mais do que outro amado, ó tu, a mais formosa entre as mulheres? Que é o teu amado mais do que outro amado, que tanto nos conjuras?” Mas, apesar desta indiferença espiritual, estas “filhas de Jerusalém” não estão indiferentes diante do testemunho daquela parte da Igreja que é fiel a Cristo, reconhecendo que ela tem uma beleza singular, bem como uma autoridade que não se encontra entre as descomprometidas. Como não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte, assim, também, aquele que está arraigado e alicerçado em Cristo não pode esconder o seu compromisso espiritual (Mt. 5:14).

a) A pergunta das filhas de Jerusalém, V.3. O mundo oferece muitos “amados” a seus adeptos. Mas, aqui, as “filhas de Jerusalém” estão vendo algo fora da sua compreensão; a parte fiel da Igreja despreza os “amados” populares deste mundo a fim de ficar a sós com o verdadeiro Amado, Jesus Cristo. O testemunho desta parte fiel é tão convincente que as “filhas de Jerusalém” são constrangidas a perguntar: “Que é o teu amado mais do que outro amado?” Elas perceberam que a parte fiel a Cristo tem uma realização e uma felicidade espiritual que elas mesmas não têm, apesar do envolvimento com seus amados de preferência. De fato, os prazeres deste mundo são transitórios, “cisternas rotas, que não retêm as águas” Jr.2:13. Falta-lhes uma substância que traz conforto e firmeza ao coração. Vamos valorizar este tipo de pergunta, porque é uma porta aberta para testificar da superioridade de Cristo. 

b) A repetição da pergunta das filhas de Jerusalém, V.9c. “Que é o teu amado mais do que outro amado?” A repetição é dada a fim de enfatizar a urgência da pergunta. A beleza e a autoridade que os fiéis manifestam requer uma explanação e, aceitando a sinceridade da indagação, a parte fiel da Igreja passa a descrever a singularidade de Cristo. “O meu amado é...”

c) A exposição das belezas de Cristo, Vs.10-16. O décimo versículo é uma introdução às perfeições de Cristo, uma vista rápida, sem especificar as partes particulares da sua Pessoa. Ele é uma perfeição incomparável e de um valor inestimável. Ao reconhecer a sua distinção, o Salmista pergunta: “Pois quem nos céus é comparável ao Senhor? Entre os seres celestiais, quem é semelhante ao Senhor?” Sl.89:6. Sim, Ele é totalmente desejável. Podemos sentir a devoção da parte da Igreja que é fiel a Cristo, quando ela afirma: “O meu amado é alvo e rosado”. Alvo por causa da pureza de sua vida, e rosado por causa de seus sofrimentos e do derramamento de seu sangue quando deu a sua vida em resgate por muitos. O Ap. João O viu à semelhança de “um Cordeiro como tendo sido morto”, mas, agora, recebendo “o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor” Ap.5:6,12. Sim, nele, “temos a redenção, a remissão dos pecados” Cl.1:14. A Igreja continua apresentando o seu Amado: Ele é “o mais distinguido entre dez mil”. Na verdade, não há ninguém igual a Ele. O Ap. Paulo teve este conceito da Pessoa de Jesus Cristo: “Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele tudo subsiste. Ele é a cabeça do corpo, da Igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos, para em todas as coisas ter a primazia, porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude e que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer sobre os céus” Cl.1:15-20. Podemos fazer a mesma pergunta do Salmista: Pois quem nos céus é comparável ao Senhor? Sl.89:6. Enfim, Ele é totalmente desejável. “Bem-aventurados todos os que nele se refugiam” Sl.2:12. Depois deste primeiro relance, passamos a contemplar as partes específicas do Amado, a fim de compreender as perfeições incomparáveis de Jesus Cristo. Portanto, o propósito deste testemunho é mostrar que Cristo é totalmente qualificado para exercer a sua missão como Salvador de pecadores e plenamente digno de receber a nossa confiança, amor e devoção. Seguem-se as dez descrições da Pessoa de Jesus Cristo.

(1) “A sua cabeça é como o ouro mais depurado” V.11a. Ouro significa realeza. Profetizando sobre Cristo, o prometido Rei, o Salmista declarou: “Pões-lhe na cabeça uma coroa de ouro puro” Sl.21:3. Sim, o meu Amado é um Rei, antes, mais do que um mero rei; Ele é o “Rei dos reis, e o Senhor dos senhores” Ap.19:16. E, no mesmo Livro, vemos Jesus sentado sobre uma nuvem, “tendo na cabeça uma coroa de ouro e na mão uma foice afiada” Ap.14:14. Por ser o Rei Supremo, o meu Amado é também o Juiz Supremo. Por causa da sua ressurreição dentre os mortos, Ele foi destinado e acreditado diante de todos, para julgar o mundo com justiça At.17:31. Por isso, a Bíblia nos adverte: “Porque importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo” 2 Co.5:10. Podemos imaginar o impacto deste testemunho sobre as “filhas de Jerusalém”, aqueles membros descomprometidos! 

(2) “Os seus cabelos, cachos de palmeira, são pretos como o corvo” V.11b. Cachos de palmeira, por causa da sua altura e muita visibilidade; pretos como o corvo, por causa da intensidade da sua cor. Estas figuras descrevem a eternidade de Jesus. Os cabelos podem indicar a idade da pessoa. Cabelos grisalhos normalmente pertencem a alguém que tem uma idade mais avançada, mas cabelos pretos e abundantes falam da plenitude do vigor. João Batista nasceu antes de Jesus, porém, reconhecendo a sua eternidade, confessou: “Este (falando de Cristo) é o de quem eu disse: o que vem depois de mim tem, contudo, a primazia, porquanto já existia antes de mim” Jo.1:15. O próprio Cristo, defendendo a sua eternidade perante os judeus, afirmou: “Em verdade, em verdade vos digo: antes que Abraão existisse, EU SOU” Jo.8:58. Este EU SOU é o mesmo que se manifestou a Moisés, Ex.13:13. Vamos sentir, novamente, o impacto que tal testemunho teve sobre aqueles membros descomprometidos. 

(3) “Os seus olhos são como os das pombas junto às correntes das águas, lavados em leite, postos em engaste”. V.12. Os olhos falam da onisciência do nosso Senhor. “Ele em seu poder governa eternamente; os seus olhos vigiam as nações” Sl.66:7. Ele vê todas as coisas, as visíveis, bem como as invisíveis. Por isso, Ele determina o que é justo para cada situação. A onisciência do Senhor tem sempre trazido grande consolação ao coração de seu povo. Quem pode descrever a alegria de Hagar quando descobriu que não estava sozinha e nem abandonada? O Senhor viu a sua aflição e se manifestou a ela. Esta verdade fez com que ela logo exclamasse: “Tu és o Deus que vê” Gn.16:13. Às vezes, o Senhor se manifesta através de olhos “como chama de fogo”, pronto para repreender o seu povo, Ap.2:18. Mas, em nosso texto, “os seus olhos são como os das pombas junto às correntes das águas, lavados em leite, postos em engaste” por causa da sua maneira compreensiva ao ver as necessidades humanas. “Não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega, até que faça vencer o juízo” Mt.12:20. Por causa da sua onisciência, Ele vê o que está no coração daqueles que estão olhando esperançosamente para a sua Pessoa. “Vendo-lhes a fé, Jesus disse ao paralítico: Filho, os teus pecados estão perdoados” Mc.2:5. Ele sempre tem “uma boa palavra ao cansado” Is.50:4. Quando o Senhor viu os seus discípulos em dificuldades, Ele prontamente se aproximou e disse-lhes: “Sou eu, não temas!” Jo.6:16-21. O que Cristo fez no passado para acalmar os seus discípulos Ele continua fazendo em nossos dias, pois ainda tem a boa vontade para ver e satisfazer cada uma das nossas necessidades. 

(4) “As suas faces são como um canteiro de bálsamo, como colinas de ervas aromáticas” V.13a. As faces de Cristo comunicam um senso de confiança e bem-estar. Sentimos, instintivamente, que Ele nos compreende e nos ama. No céu, contemplaremos a sua face, e estaremos experimentando, eternamente, as delícias de seu brilho sobre a nossa pessoa, Ap.22:4-5. Sim, as suas faces são como um canteiro de bálsamo, e como colinas de ervas aromáticas. Por isso, somos atraídos à sua presença. Mas, as suas faces não foram sempre tão atraentes, pois, no tempo aprovado por Deus, Ele foi ferido por causa dos nossos pecados, e sofreu como o nosso Substituto perante os terrores da imaculada lei de Deus. Ele confessou: “Ofereci as costas aos que me feriam e as faces, aos que me arrancavam os cabelos; não escondi o rosto aos que me afrontavam e me cuspiam” Is.50:6. E qual foi o resultado destas injúrias? “Como pasmaram muitos à vista dele (pois o seu aspecto estava mui desfigurado, mais do que o de outro qualquer, e a sua aparência mais do que a dos outros filhos dos homens), assim causará admiração às nações, e os reis fecharão a boca por causa dele” Is.52:13-15. Por causa deste sofrimento vicário, Cristo pode comunicar esperança e salvação para todos os que nele crêem. Vamos lembrar da conclusão do Ap. Paulo: “Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus” 1 Co.6:20. 

(5) “Os seus lábios são lírios que gotejam mirra preciosa” V.13b. Os lábios de Cristo se referem ao seu modo de falar. O Salmista, quando ouviu as declarações do Senhor, teve esta reação: “Prostrar-me-ei para o teu santo templo e louvarei ao teu nome, por causa da tua misericórdia e da tua verdade, pois magnificaste acima de tudo o teu nome e a tua palavra” Sl.138:2. As palavras do Senhor são palavras puras, como lírios que gotejam mirra preciosa, Sl.12:6. Cristo deixava as multidões maravilhadas com a sua doutrina, porque a sua palavra era com autoridade, Mt.7:28-29. Da mesma forma, Ele reduziu os desumanizados soldados à inércia, constrangendo-os a confessar: “Jamais alguém falou como este homem” Jo.7:45-46. Os convites de Cristo são os mais preciosos pois Ele quer nos receber. Vamos sentir a ternura deste convite: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” Mt.11:28-30. Ou, o poder comunicativo de suas promessas: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize” Jo.14:27. Ou, ainda, o poder da sua palavra para tranqüilizar o coração do pecador arrependido: “Tem bom ânimo, filho; estão perdoados os teus pecados”. Sim, é de suma importância que acreditemos “que o Filho do homem (Jesus Cristo) tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados” Mt.9:2,6. Somos encorajados e fortalecidos podendo ouvir a autoridade do próprio Senhor, confirmando: “Eu, eu mesmo, sou o que apago as tuas transgressões por amor de mim, e dos teus pecados não me lembro” Is.43:25. 

(6) “As suas mãos, cilindros de ouro, embutidos de jacintos”. Os grandes homens da antiguidade adornavam os seus dedos com anéis de ouro, todos embutidos com pedras preciosas, a fim de ostentarem sua riqueza e poder. A Igreja vê as mãos de seu Amado como cilindros de ouro, embutidos de jacinto, pois Ele é grande em poder e compaixão. Estes dois atributos sempre andam juntos. Quando Jesus viu um certo leproso, ficou profundamente compadecido, e, estendendo a sua mão poderosa, tocou-o, e, no mesmo instante, lhe desapareceu a lepra e ficou limpo, Mc.1:40-42. Podemos sentir tanto o poder, bem como a sua compaixão, quando, ao entrar na casa de Jairo, Ele se dirigiu à menina, que já havia falecido, e, “tomando-a pela mão, disse: Talita cumi, que quer dizer: Menina, eu te mando, levanta-te! Imediatamente, a menina se levantou e, pôs-se a andar” Mc.5:35-43. No céu, a Igreja triunfante entoará ao Senhor, dizendo: “Grandes e admiráveis são as tuas obras, Senhor Deus, Todo-poderoso:” Ap.15:3. E, aqui na terra, a Igreja militante se dirige às filhas de Jerusalém, indagando: Vocês me perguntaram: “Que é o teu amado mais do que outro amado?” Se vocês tivessem apenas um relance de suas faces brancas e rosadas; e se tivessem ouvido as palavras doces que saem da sua boca; e se soubessem das obras excelentes que Ele tem executado em favor de seu povo e como elas são singularmente belas, iriam ficar admiradas e, sem dúvida alguma, exclamariam: Sim, “ele é o mais distinguido entre dez mil”. Feliz a pessoa que pode confessar: “Porque sei em quem tenho crido e estou bem certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito (a minha vida que entreguei aos cuidados dele) até aquele Dia” 2 Tm.1:12. Nesta confiança, devemos orar:

“Vem com tuas mãos divinas, mansamente me guiar
Rumo às águas cristalinas que me vão dessedentar.
Por veredas da justiça, prazeroso, me conduz,
E depois da dura liça vou gozar a eterna luz” HNC 143.

(7) “O seu ventre, como alvo marfim, coberto de safiras” V.14b. A palavra “ventre” é traduzida por “coração” no V.4. “O meu coração se comoveu por amor dele”. Em Jeremias 31:20, a mesma palavra “ventre” é também traduzida por “coração”. “Comove-se por ele o meu coração, deveras me compadecerei dele, diz o Senhor”. Uma palavra equivalente no Novo Testamento é “entranhados”. “Se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria” Fl.2:1. Assim, a palavra “ventre” se refere ao amor que emana do coração de Cristo. Ele ama a sua Igreja e cada um de seus discípulos “com amor eterno” Jr.31:3. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” Jo.13:1. Mas, a prova maior do seu amor para conosco foi quando Ele se deu, espontaneamente, por nossos pecados. “Cristo amou a Igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra”. E qual foi a grande finalidade desta obra vicária? “Para a apresentar a si mesmo Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém, santa e sem defeito” Ef.5:25-27. Cristo disse: “Ninguém tem maior amor do que este: de dar a própria vida em favor de seus amigos” Jo.15:13. O Ap. Paulo nunca se cansou de testemunhar: “O Filho de Deus me amou e a si mesmo se entregou por mim” Gl.2:20. Em virtude desta morte expiatória, “temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça” Ef.1:7. O ventre de Cristo é como alvo marfim, coberto de safiras. O amor de Cristo é puro e sem máculas, coberto de todas as perfeições necessárias para salvar pecadores e conceder-lhes a vida eterna. 

(8) “As suas pernas, colunas de mármore, assentadas em bases de ouro puro”. Estas pernas, como colunas de mármore, são poderosas e suficientes para agüentar todo o peso da sua Igreja. Estas colunas estão assentadas em bases de ouro puro. A segurança da Igreja é firme e total porque está edificada sobre as verdades inerrantes das Escrituras Sagradas, arraigada e alicerçada em Cristo, cujas pernas são como colunas de mármore. Ele mesmo disse: “E sobre esta pedra, edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” Mt.16:18. Sim, a chuva pode cair, os rios podem transbordar e os ventos podem soprar com toda a sua fúria, contudo, a Igreja jamais cairá, porque está edificada sobre Jesus Cristo, Mt.7:24-27. O Profeta Isaías afirmou que o governo está sobre os ombros daquele que, “subsistindo em forma de Deus não julgou como usurpação o ser igual a Deus” Is.9:6; Fl.2:6. Cristo, como “Supremo Pastor” (1 Pe.5:1), governa todos os interesses e circunstâncias de seu povo para que seja Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém, santa e sem defeito” Ef.5:27. Ao contemplarmos a suficiência de Cristo, confessamos que Ele “pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles” Hb.7:25. Ah, se pudéssemos compreender melhor as sublimidades de Cristo e a suficiência da sua Pessoa! Fl.3:8. 

(9) “O seu aspecto, como Líbano, esbelto como os cedros” V.15b. Temos visto as partes diferentes do corpo de Jesus Cristo, cada uma representando, alegoricamente, as suas muitas excelências; agora, vemos Cristo em sua totalidade. De fato, por causa de seu aspecto imponente, reconhecemos que Ele é o mais distinguido entre dez mil. O seu aspecto é tão majestoso, que somos atraídos a nos aproximarmos dele em adoração. Líbano era conhecido como local de beleza singular, os seus cedros forneciam madeira famosa por sua fragrância. Assim é Cristo na perfeição da sua Pessoa. O Ap. Pedro, tendo recebido pela fé relances da glória de Cristo através do estudo das Escrituras, escreveu: “A quem não havendo visto, amais; no qual, não vendo agora, mas crendo, exultais com alegria indizível e cheia de glória, obtendo o fim da vossa fé, a salvação da vossa alma” 1 Pe.1:8-9. Lemos, também, acerca da experiência de alguns gregos que pediram a Filipe: “Senhor, queremos ver a Jesus” Jo.12:21. Qual foi o motivo deste desejo? Certamente, estes homens já tinham ouvido muito sobre as obras milagrosas de Cristo e da sua compaixão para com pecadores. Agora, com seu interesse despertado, queriam um encontro pessoal com Ele. Mediante a pregação do evangelho, Cristo garantiu: “E eu, quando for levantado da terra atrairei todos a mim mesmo” Jo.12:32. Devemos orar pela vinda daquele Dia quando “para ele afluirão todos os povos” Is.2:2. Ou, como Cristo nos ensinou: “Venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” Mt.6:10. 

(10) “O seu falar é muitíssimo doce; sim, ele é totalmente desejável” V.16a. A frase descreve como Cristo fala “ao coração” de seu povo, Is.40:2. É muitíssimo doce. Ele é a preciosidade para todos os que nele crêem, 1 Pe.2:7. Como Ele mesmo confessou: “O Senhor Deus me deu a língua dos eruditos, para que eu saiba dizer boa palavra ao cansado” Is.50:4. Podemos sentir o poder desta comunicação quando Jesus, com uma única palavra, disse: “Maria!” Que palavra cheia de participação! Que alento ela trouxe ao coração desta entristecida! E, com uma única palavra, ela respondeu: “Mestre”! Todas as suas lágrimas se dissiparam, e, com renovada coragem, ela estava pronta para anunciar a ressurreição de seu Raboni aos desalentados discípulos, Jo.20:11-18. E, da mesma forma, podemos sentir o poder penetrante desta comunicação quando, olhando para uma mulher extremamente infeliz por causa de seus pecados, perguntou-lhe: “Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? Respondeu ela: Ninguém, Senhor! Então lhe disse: Nem eu tampouco te condeno; vai, e não peques mais” Jo.8:1-11. Embora não haja um registro sobre a vida posterior desta mulher, cremos que ela se converteu, e, doravante, se esforçou para viver santa e irrepreensivelmente para a glória de Deus. Assim é o poder das comunicações de Cristo: “O seu falar é muitíssimo doce; sim, ele é totalmente desejável”.

A Igreja encerra o seu testemunho, dizendo: “Tal é o meu amado, tal, o meu esposo, ó filhas de Jerusalém” V.16b. É Ele quem eu escolhi e a quem dei a minha vida. A ninguém mais, senão a Cristo. A Ele pertence o meu coração, porque Ele é o Amado da minha alma. É nele em quem confio e de quem espero todo o bem. Vocês me perguntaram: “Que é o teu amado mais do que outro amado?” Convidei vocês para contemplar as belezas superiores do meu Amado, agora, vocês têm que tomar uma decisão para buscá-lo pessoalmente. Vocês jamais serão decepcionadas. Sim, Ele é totalmente desejável, pois oferece descanso para a alma.

e) A decisão das filhas de Jerusalém, Cap.6:1. “Para onde foi o teu amado, ó mais formosa entre as mulheres? Que rumo tomou o teu amado? E o buscaremos contigo”. Por causa do testemunho que acabaram de ouvir, as “filhas de Jerusalém” têm um renovado respeito pela parte fiel a Cristo, chamando-a: “Ó mais formosa entre as mulheres”. Mas, este respeito vai além do testemunho; estas “filhas” querem um encontro pessoal com Cristo. Através de uma boa palavra no momento certo, podemos estimular a muitos para buscarem a Cristo, 2 Co.9:2. As “filhas” fazem duas perguntas pertinentes: “Para onde foi o teu amado? e, Que rumo tomou o teu amado?” Devemos levar tais perguntas a sério, porque estão pedindo uma orientação específica. Elas querem resolver a sua ansiedade espiritual; querem experimentar e provar por si mesmas “que o Senhor é bom”, querem desfrutar da promessa: “Bem-aventurado o homem que nele (em Cristo) se refugia” Sl.34:8. Oferecemos as seguintes direções para aqueles que desejam testemunhar da superioridade de Cristo: 1. Escolha um aspecto específico da Pessoa e Obra de Cristo, por exemplo: “O Filho de Deus me amou e a si mesmo se entregou por mim” Gl.2:20. 2. Não permita desvios do assunto que, além de desperdiçar o tempo, podem, facilmente, deixar passar a oportunidade de apresentar Cristo como Senhor e Salvador. 3. Fale com clareza, sinceridade e convicção. Cristo é de sumo valor para mim e desejo que Ele seja o mesmo para você. 4. Faça perguntas discretas que ajudem o ouvinte a manifestar seus anseios espirituais. Seja paciente com as opiniões incultas do ouvinte, lembrando que o objetivo do testemunho é corrigir, orientar e alimentar o desejo para conhecer a Cristo. 6. O testemunho pessoal (como eu encontrei a Cristo) pode ajudar. 7. Seja cuidadoso para indicar uma Igreja fiel às Escrituras para que o ouvinte se firme na esperança cristã. Incentive-o a ler a Bíblia diariamente e a praticar a oração perseverante, confiando os seus afazeres aos cuidados de Cristo. Encoraje-o a continuar firme com Cristo, sem vacilações. 

f) A orientação que a Igreja deu às “filhas de Jerusalém”. São três:

(1) “O meu amado desceu ao seu jardim, aos canteiros de bálsamo”. O “jardim” admite duas interpretações de valor paralelo. Primeiro, é um lugar particular, longe do movimento secular; onde o crente fica a sós com Cristo, meditando sobre as Escrituras e fazendo oração particular. Cristo nos deu esta direção: “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai que vê em secreto, te recompensará” Mt.6:6. O próprio Cristo nos deu exemplo desta prática, recolhendo-se para o monte das Oliveiras, onde havia um jardim, e ali orava, Lc.22:39; Jo.18:1. Segundo, o “jardim” fala da Igreja organizada, onde os crentes, como canteiros de bálsamo, se reúnem para adorar a Deus e para ouvir a pública exposição das Escrituras. Cristo não se encontra nas ruas movimentadas e nem nos lugares de recreação, antes, está “no meio dos sete candeeiros”; nas Igrejas particulares do mundo inteiro. Por isso, Ele pode dizer: “Conheço as tuas obras, tanto o teu labor como a tua perseverança” Ap.2:1-2. A promessa de Cristo é consoladora: “E eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século” Mt.28:20. O Apóstolo nos exorta: “Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima” Hb.10:25. Quando o crente perde um culto público, ele perde um encontro com Cristo. 

(2) “Para pastorear nos jardins e para colher os lírios”. Cristo, como Sumo Pastor, está no meio de suas Igrejas suprindo a necessidade de cada membro. Ele mesmo disse: “Edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” Mt.16:18. Mas Ele tem uma outra finalidade para estar no meio das Igrejas, é “para colher os lírios”, isto é, receber os crentes fiéis na hora da sua morte. Cada membro é precioso aos olhos de Cristo e, no encerramento dos nossos dias, temos o consolo desta palavra: “Preciosa é aos olhos do Senhor a morte dos seus santos” Sl.116:15. A nossa vida é como se fosse uma escola de aprendizagem e de preparo para a vida nos céus. O dia da nossa graduação será o dia da nossa morte; e, estando ausentes do corpo, estaremos para sempre com o Senhor, que é incomparavelmente melhor, Fl.1:23. 

(3) A Igreja fiel a Cristo encerra as suas orientações com uma palavra de testemunho pessoal. “Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu”. Quanto à certeza da salvação, a Bíblia é muito clara: “E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está no seu Filho. Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele que não tem o Filho de Deus não tem a vida” 1 Jo.5:11-12. Podemos testemunhar com confiança: Eu pertenço a Cristo, e Cristo pertence a mim. Quando a Igreja disse que Cristo “pastoreia entre os lírios”, ela está desafiando as “filhas de Jerusalém”: Eu me encontrei com Cristo, o meu Salvador, através do ministério da Igreja organizada. Se vocês querem um encontro com Cristo, procurem uma Igreja que é fiel às Escrituras e que prega Cristo e este crucificado. Agindo assim, jamais serão enganadas, pois Ele promete: “Todo aquele que o Pai me der, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora” Jo.6:37.

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